sábado, 3 de janeiro de 2009

Série Jornalismo Mercenário - 1- Mino Carta - Os Sabujos


OS SABUJOS DA IMPRENSA BRASILEIRA - Depoimento de MINO CARTA


"Eu pertenço a uma geração de jornalistas que tinha a conviccção inabalável e definitiva de que a tarefa do jornalista é a elevar o leitor. Nivelar por cima, iluminar consciências. Isso dentro dos escassos limites de uma profissão que é exercida a toque de caixa. Essa grande vontade de iluminar os leitores, e o grande senso de responsabilidade decorrente, já não orientam mais a profissão. O jornalismo brasileiro piorou brutalmente de quarenta anos para cá, que coincidem com minha vida profissional.
O Golpe de 64 interrompe estupidamente um processo encaminhado que estava apenas no alvorecer. Um país que se industrializava, que , portanto, estava criando uma sociedade diferente - na qual um papel importante era reservado ao proletariado, que na época ainda não se definia como tal. Isso acarretaria, claro, certos problemas para a chamada elite: Sindicatos fortes e uma noção de cidadania por parte de uma fatia imensa da população, o que poderia precipitar certas mudanças políticas muito importantes. O golpe de 64 foi um golpe preventivo. Tanto que ele se deu sem derramamento de sangue, poucas horas bastaram para que os militares assumissem o poder. Militares esses que na verdade eram apenas os gendarmes da elite, executavam um projeto da elite, daquilo que o Raymundo Faoro chama os "donos do poder". Executavam-no friamente em cima de uma nação ainda em formação, em cima de um povo que trazia ainda no lombo as marcas do chicote da escravidão.
Eu me lembro das marchas com deus, com a família, as marchas pela liberdade... Me vejo na esquina da rua Marconi com a Barão de Itapetininga vendo passar os sócios do Harmonia, do Paulistano, acompanhados por seus choferes, suas aias, por suas mucamas... todos felizes, enquanto Adhemar de Barros, governador de São Paulo, sobrevoava de helicóptero a passeata trabalhando as contas de um rosário. Lembro que fiquei apavorado e pensei que isso não daria pé.
Há quem diga que a Revolução Francesa nunca aconteceu no Brasil. Evidentemente, isso é um paradoxo; mas um paradoxo que faz sentido porque a burguesia nacional nunca conseguiu ser realmente independente. Sempre esteve atrelada ao interesse estrangeiro, sempre teve pânico do desenvolvimento e do progresso do país. Tanto que é dela que se origina o golpe militar. Foi dela que partiu essa tragédia brasileira que foi o golpe de 1964, e foi ela que exasperou a sua própria violência com o AI-5, o golpe dentro do golpe de dezembro de 1968.
De lá para cá, a história do jornalismo brasileiro: Adequando-se, adaptando-se, conciliando, cumprindo seu papel de servo e de face do poder. Essa é a questão: O jornalismo brasileiro sempre serviu ao poder e continua servindo a ele porque é um dos rostos do poder. Os donos da mídia são o poder; então é absolutamente lógico que ele sirva ao poder. O jornalismo brasileiro fez o possível e o impossível para- ao contrário de elevar os leitores- criar as trevas ao meio-dia. É um trabalho sistemático para aviltar a língua, embrutecer as pessoas, para lhes servir lugares-comuns e frases feitas, para obrigá-los a falar incansavelmente as mesmas palavras, como por exemplo, "com certeza".
Isso se explica também pelas condições de trabalho. Aqui se fazem jornais com 500 pessoas. Só uma sucursal de Brasília de um grande jornal existem mais jornalistas que num jornal inteiro da Europa. Alguns poucos ganham uma fortuna, em relação à larga maioria que ganha uma miséria. De um lado os grandes sabujos que não perdem o emprego: é como o pessoal do mercado financeiro, um bando de ladrões! Pouquíssimos se salvam, pouquíssimos não batem carteira! Cheios de dinheiro: é a máfia no poder das redações. De outro lado, os miseráveis. Então , torna-se dolorosamente ridículo comparar os nossos jornalistas aos europeus porque os brasileiros, de um modo geral, escrevem mal. escrevem errado, não sabem fazer cálculos, não conhecem as operações básicas da aritmética. Essa é que é a verdade, triste, mas é a verdade. Se vocês lerem com atenção, vão concordar comigo. Na Folha, os jornalistas se orgulham porque escrevem em 30 linhas e usam 50 palavras, o que é o contrário do que me ensinaram quando comecei a trabalhar em jornal.
No caso do Brasil, eu tenho a convicção de que houve uma tentativa deliberada de nivelar por baixo, de vulgarizar tudo. E vulgarizar não no sentido de comunicar ao povo a verdade, mas sim tornar grosseiro. Acho que na origem existe uma intenção deliberada. As pessoas acabam se chafurdando na lama que elas vão criando porque acabam acreditando no que dizem.
A Miriam Leitão, por exemplo, é uma jornalista absolutamente notável, uma jornalista símbolo desse estado de coisas. Ela escreveu o seguinte: 'à parte o fato de Fernando Henrique ser o gênio da lâmpada, um Shakespeare revivido, a estabilidade econômica conquistada por ele é definitiva.' - Os patrões dela -seus donos- leram Miriam Leitão e acreditaram. Fernando Henrique se elegeu e se reelegeu vendendo a estabilidade. E doze dias depois da posse ele desvalorizou o Real em 50%. A Miriam Leitão, até a véspera, escreveu que a estabilidade era um fato consumado e ninguém poderia mexer naquilo. Os Marinho acreditaram, achavam que era isso mesmo, tanto que se endividaram em dólar.
Acreditando nas próprias mentiras, a Imprensa brasileira gastou a rodo e se endividou em dólar, por isso estão todos quebrados. Alguns casos são irrecuperáveis. Duvido que a Globo possa sair dessa enrascada, por exemplo. Globo, que a certa altura se apresentava como uma das televisões mais importantes do mundo. Qual mundo? E dirigida a que país?
Temos, então, uma mídia, em geral, que se porta como se fosse a mídia de um país muito rico, enquanto somos paúpérrimos. Criamos um país de 30 a 40 milhões de pessoas enquanto o país tem 170 milhões. Em parte, todos nós colaboramos com isso. Por que não fechamos essa televisão dirigida por publicitários cretinos? Somos nós que oferecemos a eles essa chance maravilhosa de ser tão importantes; Fora do Brasil um publicitário não existe. Nem nos Estados Unidos. Ninguém fala deles. Mas também o Brasil é o único país do mundo em que ainda existe coluna social nos jornais de grande circulação. Lugar em que esses senhores pontificam. Em que aparecem aquelas mil e duzentas pessoas sobre as quais sabemos toda a vida pessoal. Essa é a nossa sociedade.
Ao cabo de tudo isso, eu diria como o Marquês de Sade: "vamos colocar um pouco de ordem nesta orgia!". Porque tudo isso, claro, foi feito com o propósito evidente de impedir que a cidadania desperte, que a nação se forme, que tenhamos clareza quanto aos nossos verdadeiros interesses. Nosso jornalismo fala muito nas vontades do mundo, naquilo que o Brasil pode servir ao mundo. Mas não nos coloca dentro do mundo. E essa tarefa de mediocrização foi determinada pelos próprios jornalistas, com raras e honroríssimas excessões. A larga maioria serviu ao dono ou como lacaio ou como jagunço e sempre como sabujo. Não tenho a mais pálida sombra de dúvida a respeito.
O livro de Mario Sérgio Conti, Notícias do Planalto, é para mim o "resumo da ópera." Nele tenta-se demonstrar que os jornalistas criaram Collor. ORA! NÃO FORAM OS JORNALISTAS QUE CRIARAM COLLOR MAS SEUS PATRÕES ATRAVÉS DOS SABUJOS. Patrões, que naquele momento agarrariam um fio elétrico desencapado para impedir a vitória do Lula. Esse livro, para mim, é muito simbólico, e vendeu muito porque a mídia o bombeou, o enalteceu, o glorificou, o santificou. É triste, é uma balela - como em geral são as histórias contadas pelo sabujos. "

"ENTRE OS QUE GANHAM UMA FORTUNA POUQUÍSSIMOS NÃO BATEM CARTEIRA"

a fonte deste depoimento é a Revista Vintém nº5- publicada pela Companhia do Latão

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