sábado, 17 de janeiro de 2009

3 - OPEN THEATER - SÉRIE TRUPES ANARQUISTAS

"Joseph Chaikin e o Open Theater são juntamente com o Living Theater e os ateliês de Peter Brook e Grotowski, os que nos últimos dez anos mais contribuíram para a evolução do teatro contemporâneo." É assim que se refere a este que aparece na foto acima, um livro de 1979, chamado Novos Rumos do Teatro por Alberto Miralles, que a Marta Haas da Terreira da Tribo me deu de presente. Esta entrevista antiga copiei do livro pelo amor de enriquecer a nossa série sobre trupes anarquistas.


Qual a situação do teatro na atualidade?

O teatro está se convertendo numa diversão similar a dos locais noturnos. É um espetáculo quase sofisticado que demonstra um “status” de classe média nos espectadores da Broadway e , às vezes, Off Broadway. É o mesmo que ir tomar um drink, ir a uma boite, jantar fora ou ver um show para passar o tempo. Este é o estado do teatro. Para mim, a questão básica do teatro é fazer compreender a atualidade de uma pessoa. No cinema ou na televisão, as pessoas estão retratadas, representadas mas no teatro , a pessoa está realmente ali, presente fisicamente no momento. Por isso, o maior interesse do teatro é achar o modo de descobrir a essência atual da pessoa num espaço, a pessoa-ator e a pessoa espectador

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Como o teatro pode descobrir a essência atual do espectador?

O que ocorre agora é que não existe um “clima” teatral no sentido de ir ao teatro a espera de alimentar-se espiritualmente. No Harlem, por exemplo, existe um grupo de pessoas que atua na sua própria comunidade, e que, ao existir uma conexão real, logra descobrir a essência do espectador. Agora, está se apresentando em Nova York uma peça sobre o Movimento Feminino, ao qual os próprios atores pertencem; em algumas apresentações somente se admitem mulheres na platéia, portanto a conexão entre palco e platéia se processa a nível real, e se vê claramente como os atores falam ao público de problemas vigentes para todos, dentro de uma imagem econômica e social. O mesmo ocorre com um grupo de homossexuais que apresenta uma peça de teatro-documento sobre a história da homossexualidade nos Estados Unidos, Coming Out, e que ao fazê-la de um modo sincero, alegre e espontâneo logra sensibilizar a platéia sobre o problema. Nesses casos, os que atuam são primeiramente indivíduos e depois atores. Seus problemas como seres humanos se refletem antes que suas condições de atores.

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Como você se iniciou no teatro?
Eu queria começar como ator, queria ser como Marlon Brando. Depois de um tempo decidi formar meu próprio grupo, porque para mim o Living estava demasiado definido num linha e eu queria experimentar.
Minha relação com o teatro mudou fundamentalmente com o meu contato com o Living Theater. Naquele tempo eu queria promover-me como ator. Mas ao atuar em Galy Gay, personagem que, de um homem bom e inocente, se transforma, por tentar agradar, gostar e seduzir, em algo totalmente mecanizado e inumano, percebi que estava fazendo o mesmo com meus desejos de tornar-me ator famoso.
Naquele tempo, os Beck estavam fazendo manifestações de protesto político, e eu lhes enfatizava minha postura como ator de teatro profissional, cuja missão é dedicar-se à arte e não à política. Ao atuar em Um Homem é Um Homem, de Brecht, comecei a mudar e a participar na vida do Living. Foi como se eu me convertesse a uma nova religião.

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Que está fazendo agora o Open Theater?

O Open Theater, que com The Serpent explorava a violência e com Terminal enfrentava a morte, em seu último espetáculo, Mutation, trata da transformação. O fio argumental, ou melhor, o tema de Mutation é o Kaspar de Peter Handke, dirigido e interpretado por vários grupos durante o ano passado. Num espaço absolutamente neutro, um ser que não sabe andar nem falar; o tema: linguagem, ordem e dor. Em Kaspar, a representação tem algo no número circense de um palhaço. Nós, em Mutation, apresentamos mais um carnaval no qual o clímax é representado por um baile de bodas em que “ as pessoas dançam as leis”. Nosso último espetáculo é Nightwalk, passeio pela solidão e pela noite; passeio que parece ser o último dado coletivo do grupo, já que a impossibilidade de permanecer em continua evolução, sem nos institucionalizar, nos leva a dissolver o Open Theater.

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Qual o processo de formação de um ator?

O ator passa por um processo que inclui três etapas:
1- Condicionamento pelo ambiente;
2 – Intenção de deseja transmitir;
3 – Forma de expressão eleita.
As escolas de atores, além de ensinar a comportar-se em cena, devem ensinar a interpretar as experiências vividas. Mas essas escolas nos ensinam a considerar unilateralmente as expressões de tristeza e alegria. A vida não é assim. As coisas são confusas e complexas; numa mesma cidade, existem pessoas que celebram a vida e ajudam ao próximo e outras que crêem que a vida é um crime. Um ator deve compreender a perplexidade da dicotomia, não só mediante à análise visível desse fenômeno, mas também mediante sua ação dramática.
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Que diferencia o teatro do cinema?

Nossas vidas se relacionam sempre com o conceito de “tempo”, onde nunca podemos esquecer a perspectiva histórica nem a influência de qualquer ato presente; sem dúvida não podemos deixar que o passado ou o futuro sabotem nosso presente.”Em qualquer momento temos em nós a totalidade de nossa vida” disse Pirandello. Em nossa sociedade localizamos o presente como uma lembrança antecipada do futuro.
Ao contrário do cinema, o elementar no teatro é a “presença atual”. Atuar é manifestar visivelmente partes de nós mesmos, sem separar nossa mente de nossas vísceras. Como artistas, somos veículos que possibilitam a manifestação das idéias formalmente, através de nossas sensações. A responsabilidade do artista reside, para mim, não na fidelidade a alguma idéia, mas na fidelidade às intuições respectivas a essa idéia e às sensações provocadas pela platéia. O artista que utiliza sua arte para recrutar adeptos a sua ideologia, está atuando como vendedor. O fundamental na arte é a liberdade.

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Quantos tipos válidos de teatro existem?

O teatro está, por uma parte, com o que cada um está de acordo ideologicamente. Algumas pessoas são de opinião que deve-se atuar nas ruas e representar peças políticas. Outros opinam que o bom teatro é aquele que se relaciona mais diretamente com a emoção a nível orgânico. E ainda outras, opinam que o teatro deve operar a nível psicológico, fazendo-nos compreensíveis nossos medos, nossas lágrimas ou nossos sonhos. Para mim, o bom teatro é aquele que estabelece uma dialética entre todos esses fatores. Crítica orgânica temperamental e psicologicamente autêntica. Uma peça de teatro não pode ser um manifesto, porque será vazia.
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Quais os grupos de teatro que admira?

Admiro muito o Bread and Puppet, que faze teatro de bonecos inorgânicos e o San Francisco Mime Troup, que é um grupo muito político. Ambos fazem algo que eu não faria, mas o fazem muito bem e com grande honestidade. Admiro muitos outros grupos, que sempre fazem algo de acordo com eles mesmos.
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Qual a função do teatro?

Para mim, é fazer um mapa das circunstâncias humanas e um mapa inclui diferentes países, diferentes cidades e diferentes estados. Em cada lugar se produz alimentos diferentes e as pessoas deveriam ir ao teatro para experimentar essas circunstâncias, sejam elas quais forem. Para mm o teatro é um modo de afirmar alguma coisa, mesmo que essa afirmação seja uma afirmação da morte, como no caso de Terminal. E para mim, a união de uma comunidade cm suas diferentes imaginações e sensibilidades, é um modo de afirmação. Uma das coisas que eu gostaria que o teatro se convertesse, é um porta-voz das diferentes partes da natureza humana que até agora não tiveram narrações que incluíssem experiências comuns, experiência compartilhadas e experiências isoladas.

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Concorda com a frase de Peter BrooK, “ Não sabemos como celebrar, porque não sabemos o que celebrar”? Quer dizer, ao se encontrar nossa sociedade em crise, o teatro reflete essa crise mediante uma confusão a respeito de sua função?

Sim, é uma das razões pela qual o Open Theater se dissolveu como grupo e o motivo pelo qual tanta gente de teatro se pergunta o que deve fazer. Também não queremos seguir porque nos institucionalizamos, nós queremos fazer teatro radical, o qual não implica teatro político, mas que se refere à raiz das coisas, ao extremamente básico.

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– Todos os atores do grupo estão ideologicamente de acordo?


Não, essa é outra das razões que me levam a dissolver temporariamente o grupo. As pessoas estão adquirindo diferentes idéias, muito definidas; uns querem fazer um teatro muito mais político, outros querem seus nomes encabeçando cartazes. Todos os grupos têm problemas, se dissolvem e, várias vezes, voltam a se formar com novas pessoas. É quase inevitável. As situações são demasiado complicadas para que exista um acordo geral mantido por muito tempo. E da maneira como funciona o grupo, todos os acordos deveriam ser tomados coletivamente.

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Por quê manter um teatro que se desmorona?

Porque o teatro é uma expressão primária do ambiente real, representada por certas pessoas que compartilham a responsabilidade de formar parte da humanidade e que são capazes de criar uma dialética entre atores e espectadores.

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Que pretende Jo Chaikin com o teatro?

Disse, já faz tempo: “Quisera mudar minha vida e a de todo mundo. Não sei como fazê-lo. Senão a vida, pelo menos o dia, a noite, a hora, o minuto.”

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