sábado, 24 de janeiro de 2009

4 - TERREIRA DA TRIBO DE ATUADORE ÓI NÓIS AQUI TRAVEIS - Série Trupes Anarquistas


Ação vertida à Escola da Terreira da Tribo.
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Ação vertida ao Teatro de Vivência
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Ação vertida ao Teatro de Rua
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A FORMAÇÃO DO ATUADOR NA TERREIRA DA TRIBO.


Geralmente, quando se pergunta o que é o atuador, respondemos que é a fusão do ator com o ativista político. O atuador deve ser lúcido e ambicionar mudar a sociedade, percebendo como primeira e urgente a transformação de si mesmo. É o artista que sai do espaço restrito do palco, e entra em contato com a comunidade da qual faz parte. Se envolve e compartilha de forma coletiva todas as etapas da criação e produção do espetáculo. A ênfase é dada no processo continuo de investigação, numa rotina árdua de trabalho, na busca de fazer da cena um ato de entrega total, de teatralização total, de dispêndio absoluto. A subversão da ação e da palavra se dá num processo em que é o corpo inteiro que propõe livremente por impulsos vibrações, tensões, ritmos variados, permitindo a emergência de uma verdade que não se pode mais mascarar. Há o rompimento radical do raciocínio lógico, produzindo a dissonância, ou seja, a presença da contradição que ativa e expande a sensibilidade. Assim, o teatro não é mais a simulação realista ou estilizada de uma ação, mas um ato de absoluta sinceridade, no qual o mais importante é a relação entre os seres humanos, e, para o atuador, uma grande, uma única oportunidade de entrega total.

A Tribo de Atuadores Oi Nóis Aqui Traveis surgiu em 1978, com uma proposta centrada no contato direto entre atores e espectadores, transcendendo a clássica divisão palco/platéia. O grupo desenvolve um trabalho contínuo de pesquisa em relação à linguagem cênica e ao processo criativo do ator.

A história da Tribo sempre se pautou pela afirmação da diferença, da independência em relação ao mercado e às estruturas de poder, com encenações caracterizadas pela ousadia e liberdade criativa. As suas três principais vertentes são: O Teatro de Rua, nascido das manifestações políticas – de linguagem popular e intervenção direta no cotidiano da cidade- O Teatro de Vivência, no sentido de experiência partilhada, em que o espectador torna-se participante da cena – e o trabalho Artístico Pedagógico, desenvolvido na sua sede e em outros bairros populares junto à comunidade local.

O grupo foi um dos primeiros em Porto Alegre a tentar conjugar em sua prática arte, vida, estética e política, a radicalidade de comportamentos e linguagem transbordando do espaço cênico para o cotidiano da cidade. Propunha quebrar os padrões tradicionais de representação até então vigentes, trabalhando uma outra qualidade de relação com o espectador, numa relação direta na qual os limites entre palco e platéia são dissolvidos, uma atuação não naturalista e autêntica como forma de “rebelião”. Vários são os procedimentos que caracterizam a ação transgressora do grupo: a cena como presença, atuação, corporalidade, visceralidade, improvisação como processo, criação coletiva, intertextualidade, materialidade dos sentidos, desde os trabalhos mais performáticos do final dos anos 70 até sua última montagem.

Para o Oi Nóis, o teatro é um lugar de invenção e experimentação, um meio de transformação, de mudança de mentalidades, em nível social e também individual. Seu trabalho de investigação sobre a linguagem procura uma lógica diversa da cultura dominante, que provoque um estranhamento em relação à percepção usual de mundo e que seja expressão das contradições da sociedade na qual está inserido.

Todo o projeto desenvolvido pelo Ói Nói Aqui Traveis está diretamente relacionado com o seu centro de criação, a Terreira da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveis, que ocupa lugar de destaque entre os espaços culturais do Estado, sendo igualmente apontada como uma referência de âmbito nacional. Na Terreira da Tribo funciona a Escola de Teatro Popular que oferece para a cidade oficinas de iniciação teatral, pesquisa de linguagem, formação e treinamento de atores além de seminários e ciclos de discussão sobre as artes cênicas, consolidando a idéia de uma aprendizagem solidária.

A Oficina para Formação de Atores formou quatro turmas de novos atores nos períodos de 2000/01, 2002/03 3 2005/6. É importantíssimo dizer que se trata de ma Escola de Teatro gratuita, o que representa uma das poucas oportunidades de formação em teatro para muitos de seus freqüentadores. Dentre eles, aliás, muitos tiveram seu primeiro contato com teatro em oficinas ministradas em bairros de periferia por integrantes do grupo, e antes disso nunca haviam vislumbrado a possibilidade de fazer teatro. Além disso, acreditamos que o que torna esta Escola tão especial é a formação que proporciona a seus alunos, não apenas rigorosa do ponto de vista da "técnica", mas, principalmente, no tocante à construção de uma ética que se refere não apenas ao exercício da profissão de ator, mas ao seu papel social, que requer um comprometimento com a realidade que o cerca.

As principais oficinas da Escola de Teatro Popular são: a oficina para formação de atores, composta por aulas diárias, teóricas e práticas, com duração de um ano, que busca através da construção do conhecimento favorecer a emergência do artista competente não apenas no desempenho de seu ofício, mas também preocupado com seu desenvolvimento como cidadão; a oficina de teatro de rua, que desenvolve e pesquisa as diversas formas de se abordar o espaço público a fim de viabilizar a sua transformação em espaço de troca e informação; e a oficina de teatro livre, oficina de iniciação teatral que se desenvolve durante todo o ano sem interrupções, visando estimular o interesse pelo teatro e à busca da descolonização corporal do artista/cidadão.

Este compromisso ideológico assumido pelos atuadores do grupo está diretamente relacionado à postura pedagógica adotada, orientada por um preceito igualitário que visa ao confrontamento das hierarquias preestabelecidas, o que aparece também nos espetáculos do grupo. Os oficinandos são constantemente incentivados a construir coletivamente cenas e personagens, o que aponta para uma concepção que difere da adotada pelo senso comum em relação à arte, que se concentra na crença na figura de um "gênio individual" indissociado de seu contexto histórico e social de formação. Ao contrário, através da troca permanente de idéias e do trabalho realizado em conjunto, processos que poderiam ser individuais, como os de construção de personagens, transformam-se numa vivência coletiva de experiências partilhadas e construção conjunta de sentidos.

Nas rodas de discussões que acontecem no final das aulas são freqüentes as trocas de idéias sobre a importância da ética no exercício do trabalho do ator e sobre sua função social, o que conduz a uma busca constante pela construção de um teatro crítico. O repúdio ao teatro como mero veículo de distração é uma das marcas do grupo, que encontra em Antonin Artaud a inspiração para esta e outras reflexões. Tal preceito conduz a escolhas que o afastam do chamado "teatro de mercado", mesmo que, para isso, muitos de seus integrantes tenham que buscar seus meios de subsistência fora do exercício do trabalho do ator. Diferente do discurso que fundamenta o chamado "teatro profissional", para o qual o reconhecimento do trabalho do ator está atrelado a poder viver remuneradamente de seu ofício(elevado, desta forma, à categoria de profissional), para os integrantes do grupo, o compromisso ideológico assumido de não envolvimento com o chamado "teatro de mercado" demonstra uma ênfase na visão do trabalho do ator em primeiro lugar como ofício. E este ofício deve ser guiado primeiramente pela crença na função transformadora do teatro. O exercício de atuação deve ser visto como um exercício de generosidade, de entrega máxima ao outro. O "outro" aparece, assim, como motivação primeira para a existência do ator, o que vai na direção oposta da visão do ator autocentrado.

Os fundamentos principais da Escola de Teatro Popular são a formação do ator, a interferência do artista no meio social e a ética no desenvolvimento profissional. A formação do ator é desenvolvida nas áreas de Interpretação, Improvisação, Expressão Corporal, Expressão Vocal, Teoria e História do Teatro Ocidental, História do Teatro Brasileiro e História do Pensamento Político.

A formação do ator no Ói Nóis Aqui Traveis tem sido conseqüência do aprendizado grupal, trabalha-se com a encenação coletiva, na qual cada um dos atores é um dos criadores do espetáculo. Todo ator que participa do espetáculo é também seu criador, seu encenador e seu principal agente como ator. Isso lhe garante uma propriedade muito grande sobre o que diz, e as propostas estéticas defendidas no espetáculo.

A busca desse ator renovado deve ser alcançada em função de um teatro comprometido eticamente com o público. A pesquisa temática é tão profunda quanto a estética. A Tribo de Atuadores Ói Nói Aqui Traveis acredita que o teatro precisa ser um momento de encontro de pessoas, um momento de muita intensidade na vida de cada um, do qual se saia potencializado. E, para isso, é necessário atuar como se fosse a última vez que se tivesse algo a comunicar aos demais.



Texto elaborado coletivamente pela Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveis

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