sábado, 31 de janeiro de 2009

I - BIBLIOTECA DA ALDEIA DOS INSURRETOS FURIOSOS DESGOVERNADOS


BAIXEM OS LIVROS COMPLETOS EM SUA MÁQUINA E BOA LEITURA! (e divulguem a 4shared)
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Orwell - A revolução dos bichos
http://www.4shared.com/file/5526927/d5354121/orwell_-_a_revoluo_dos_bichos.html?s=1
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Huxley - Admirável mundo novo
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Thoreau - Desobediência civil
http://www.4shared.com/file/17653171/6d7fb380/david_thoreau_-_desobediencia_civil.html?s=1
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Crowley - O livro da lei
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_Alester_Crowley__completo_.html?s=1
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Einstein - Como vejo o mundo
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Hakim Bey - caos
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Chuck Palahnuik - Clube da luta
http://www.4shared.com/file/18931353/90949b57/Chuck_Palahnuik_-_Clube_da_Luta.html?s=1
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Bakunin - Deus e o estado
http://www.4shared.com/file/10220332/6d3dfc36/Mikhail_Bakunin_-_Deus_E_O_Estado.html?s=1
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Brecht - Histórias de almanaque
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Anarquismo e pedagogia libertária
http://www.4shared.com/get/24667109/5b405d8c/anarquismo_e_pedagogia_libertaria.html
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Alan Moore - V de vingança Hq - Parte 1 ao 5
Parte 1
http://www.4shared.com/file/19564665/7a9a1bc7/Alan_Moore_-_V_de_Vingana__Parte_1_.html?s=1
Parte 2
http://www.4shared.com/file/19564694/8a05379e/Alan_Moore_-_V_de_Vingana__Parte_2_.html?s=1
Parte 3
http://www.4shared.com/file/19564714/431ed7a1/Alan_Moore_-_V_de_Vingana__Parte_3_.html?s=1
Parte 4
http://www.4shared.com/file/19564749/40d85f59/Alan_Moore_-_V_de_Vingana__Parte_4_.html?s=1
Parte 5
http://www.4shared.com/file/19564791/fbada926/Alan_Moore_-_V_de_Vingana__Parte_5_.html?s=1
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Nietzsche - Além do bem e do mal
http://www.4shared.com/get/10311150/e2ad20e2/Friedrich_Nietzsche_-_Alm_do_Bem_e_do_Mal.html
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Foucault - A microfísica do poder em pdf
http://www.4shared.com/file/29230856/16281bc8/a_microfsica_do_poder_-_michel_foucoult.html?s=1
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Rousseau - O contrato social
http://www.4shared.com/file/39264053/e379a646/Rosseau__-__O_contrato_social.html?s=1
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Debord - A sociedade do espetáculo
http://www.4shared.com/get/16187571/a6f673b6/Guy_Debord_-_Sociedade_do_Espetculo.html
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Maquiável - O príncipe
http://www.4shared.com/get/62904784/629c04d0/Maquivel-_O_Principe.html
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Manifesto Aberto à Estupidez Humana, Ézio Flávio Bazzo
http://www.4shared.com/file/79154043/bf1c9183/zio_Flavio_Bazzo_-_Manifesto_Aberto__Estupidez_Humana.html?dirPwdVerified=7b9a5dbe


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.colaboração De Ted Silva Dantas
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sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

2 - COMUNIDADES ANARQUISTAS EM NOVA ZELÂNDIA - Série Comunidades Anarquistas




Segue abaixo um pequeno relato a respeito das comunidades e coletivos anarquistas na Nova Zelândia que um viajante teve contato e que pode fazer uma humilde troca de experiências. (colaboração do Karioka)

ORGANIZAÇÕES E COLETIVOS NAS CIDADES

A realidade social, econômica e política na Nova Zelândia se distingue de certa maneira da brasileira, porem muitos problemas aqui também são vividos, e como haveria de ser ha coletivos e organizações em luta contra essas mazelas.

Na cidade de Wellington ha’ um espaço de luta e resistência anarquista que se chama um dois oito (one two eighth, 128). Esse espaço coletivo conta com uma biblioteca publica (Revolting Book’s Little Anarchist Library), que conta com inúmeros livros que tratam principalmente sobre anarquismo e anarquistas, da luta de classes, pensadores, feminismo, vegetarianismo, filosofias políticas. Uma bicicletaria “The Mechanical Tempest”, que concerta bicicletas em troca de qualquer doação, aluga para turistas e vende algumas outras que o pessoal dos coletivos que compõe a casa acham no lixo e concertam. A casa tem uma cozinha coletiva vegetariana, uma pequena horta, oficina de artesanato em madeira, oficina de artes visuais, serve de local de ensaio para bandas anarquistas, e também há uma grande sala que três dias por semana e’ reservada para reuniões das organizações e coletivos que mantém a casa.

Os coletivos e organizações hoje travam uma luta descomunal contra as empresas mineradoras que estão promovendo o desflorestamento e mineração no mar. Citarei alguns dos coletivos, KASM (Kiwis Against Seabed Mining), Save Happy Valley, Radical Youth, Wild Cat, Poneke Black Pages. Diversos informativos, panfletos sao distribuido a respeito desses crimes ecológicos que ocorrem cotidianamente aqui na Nova Zelândia.

Um dos coletivos anarquista de Wellington “Poneke Black Pages” publica mensalmente pequenos jornais anarquistas e zines. O “Coletivo Wild Cat” conta com uma lan hause chamada Oblong (computadores doados e achados no lixo), onde o usuário/a paga o quanto puder pelo uso da internet. Esses coletivos também são responsáveis pela manutenção do centro de mídia independente da Nova Zelândia (www.indymedia,org.nz). Nesse lugar também há o “Freedom Shop” uma livraria que conta com classicos do anarquismo e luta de classes, zines, cadeiras para leitura. Wild Cat, INDYMEDIA, Poneke Black, Anasrchist Book Club, Radical Youth atuam na frente anti desmatamento na Nova Zelândia, na luta anti G8, contra a Organização Mundial do Comercio, organizando protestos, imprimindo inúmeros panfletos, informativos, jornais. Também estão envolvidos na luta dos Maori contra a aculturação, promovendo um curso de língua Maori e fazendo um trabalho de base junto a comunidades Maori que resistem preservando elementos fundamentais da cultura.

Muitos dos/as companheiros/as anarquistas de Wellington foram brutalmente presos sobre a acusação de terrorismo por parte do Estado da Nova Zelândia a dois meses atrás. Prisões absurdas, sem nenhum fundamento. Investigações, rastreamento, monitoramento de ligações e mensagens de textos por celular e internet foram as estratégias utilizadas contra os anarquistas, ativistas ecológicos, e guerreiros Maoris. Porem houve uma passeata massiva, sobretudo de Maoris que percorreram diversas cidades ate’ chegarem em Wellington reivindicando a liberdade dos/as companheiros/as presos. Apos algumas semanas houve a libertação.

Os anarquistas de Wellington também fazem uma rede de contato com o EZLN, alguns membros dos coletivos foram pro México trocar experiências, e há uma frente que arrecada fundos para ajudar a luta dos Zapatistas.

Muitos companheiros/as daqui solicitavam informações e se mostravam extremamente interessados em saber a respeito da luta anarquista, das organizações, federações, coletivos, assim como a luta do MST no Brasil, tendo até alguns curtas metragens feito por um viajante nos acampamentos no Brasil, com entrevistas das frentes de ocupações e depoimentos de ocupantes de terra. O pessoal também passou algumas informações a respeito de diferentes espaços coletivos e organizações anarquistas em outras cidades como Auckland, Christchurch e outras cidades, que infelizmente ainda não tive contato com esses companheiros/as.


PUNK'S E SQUATTERS EM WELIINGTON
Wellington é uma cidade extremamente alternativa. Ha muitos punk’s na cidade que moram em squatters, alguns desses squatters foram fechados recentemente pela policia. Alguns/mas punk’s foram presos por invasão de propriedade privada. Porém alguns squatters ainda resistem servindo de abrigo e espaço cultural. Difícil saber muito a respeito da cena na cidade pois a passagem por Wellington foi ligeira (somente duas semanas), mas há de fato bandas, inúmeros zines que circulam de mão em mão e os squatters. Estive em uma apresentação de quarto bandas punk’s tres de Wellingon e uma de Sydney- Austrália. Uma das bandas era composta por quarto garotas, com um som verdadeiramente pesado, agressivo e ideológico “Poodles Nuke’em High”
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NO CAMPO

Sempre que pensamos numa transformação radical da sociedade no sentido de se construir o Socialismo Libertário nunca devemos perder de vista a questão da organização do campo e da produção na terra. Questões essas fundamentais na construção de uma nova sociedade que não se paute nos horrores provocados pelo sistema capitalista ao meio ambiente, dentre eles, o produção voltada tão somente ao comercio e consumo (de preferência em grande escala e especifica), exploração sem fim dos trabalhadores/as, uso indiscriminado de pesticidas e agrotóxicos, cultivo de forma errada do solo, desflorestamento, devastações e infinitas outras atrocidades promovidas em prol do lucro.

Porem ha experiências diferentes e que se pautam em idéias muito mais avançadas e não agressivas ao solo e ao meio ambiente. A biodinâmica é uma delas, experiência essa muito relevante para se alcançar o máximo da autogestão na terra em que se produz. Resumidamente procura-se fazer o uso completo do solo em forma de rotação. Hohepa Homes e’ um exemplar de comunidades biodinâmica, localiza-se na cidade de Clive na Nova Zelândia. A comunidade Hohepa Homes procura fazer essa rotação dinâmica na produção. Produz-se leite, com o leite queijo, com o soro do leite alimenta-se os porcos, com a bosta da vaca se faz a composta (grama, capim e bosta, colocado num lugar coberto por um ano de inverno a inverno, para que a composta passe pelo processo de decomposição pelas quatro estações do ano), usada para alimentar a terra e deixá-la muito mais produtiva. Também se produz verduras, legumes, vegetais, frutas (algumas delas servem de alimentação para as vacas, como a beterraba). O lixo orgânico das casas da comunidade serve de alimentação para os porcos e galinhas, as cascas de ovos como nutriente para a terra, os chifres de vaca são enterrados com bosta de vaca dentro por um ano para se ter um super nutriente para a terra. Tudo é orgânico, e a comunidade procura utilizar ao máximo todos os recursos disponíveis no próprio local. Se produz de acordo com a Lua, pois ela influencia de sobremaneira, na estação certa do ano, bem como na colheita. Para executar determinados trabalhos é necessário que se forme equipes para a realização eficaz, seja na queijaria, nas hortas, na lida com as vacas, na oficina mecânica. Essa comunidade conta com uma oficina de artesanatos em madeira (brinquedos, cadeiras, mesa…), uma oficina de produção de vela (de diversos tipos), uma oficina de produção de artesanatos em pano (tricô, ponto cruz…), uma queijaria (que produz variados tipos de queijos, iogurte, qualhada, mussarela feta…) e uma lojinha para se vender parte da produção. Alem disso serve de abrigo e lar para pessoas que tem deficiência intelectual e filosófica.

Outra experiências que se dedica na produção orgânica, com todo o respeito ao meio ambiente, e a qualidade da produção e alimentação, assim como a organização horizontal dos trabalhadores/as em coletivos de trabalho e’ a comunidade Wilderland. Essa comunidade se situa na península de Coromendel numa cidadezinha chamada Witianga na Nova Zelândia. A comunidade Wilderland sobrevive e resiste ha’ 43 anos. Fundada em 1964, Wilderland se dedica a produção de frutas orgânicas (dentre elas: laranja, mexerica, maca, abacate, uva, pinha, maracujá e muitas outras), também produz verduras e legumes de diversos tipos (como alho, cebola, alho poro, couve, repolho, brócolis, cenoura, alface, tomate, agrião, rúcula…). A comunidade também conta com a produção de diferentes tipos de mel e seus derivados, como a cera para a fabricação velas artesanais. O mel provem de 50 caixas de abelhas espalhadas no território comunal. Os banheiros da comunidade são ecológicos, então não há água nas privadas, elas ficam numa estrutura de madeira, e as fezes caem em um buraco, sendo enterradas com pó de serra e futuramente serão usadas na elaboração de composta para os pomares de frutas. O excedente da produção e’ vendido numa lojinha da comunidade na beira da estrada para pagar despesas básicas, como determinados produtos para alimentação que a comunidade não produz (farinha, feijão, aveia…) produtos para higiene pessoal (pasta de dente, sabão pra lavar roupa…), combustível para a maquinaria (trator, cortador de grama…), energia elétrica que abastece a comunidade. Depois de paga essas despesas coletivas uma parte do que sobra e’ repartido entre os residentes e outra parte e’ guardada para futuras despesas. A comunidade conta com aproximadamente 15 casas (todas feitas de madeira de forma artesanal, bonitas diferentes e aconchegantes, feita ao longo do tempo pelos próprios residentes), um hall (cozinha coletiva, uma sala de estar, a biblioteca, mesa de ping-pong , outra de futebol, cama elástica, biblioteca), uma oficina mecânica, uma oficina para a produção de mel, infinitos pomares de frutas, diversos canteiros de horta. Wilderland e’ situada num território definitivamente lindo, com um lago enorme (para nadar, pescar, há kaiaques e pedalinho para se divertir) que por ele vai ate’ o mar e a pequena cidade de Witianga. Cada residente tem a liberdade de trabalhar de acordo com suas habilidades, e ajudar os demais em outros trabalhos que exigem uma equipe. A comunidade oferece uma casa, alimentação, o conforto e a tranqüilidade de se morar em um espaço alternativo que se baseia em princípios totalmente diferentes dos quais estamos acostumados. Não tem ninguém mandando em ninguém. O horário de trabalho começa as 9 da manha e termina a uma da tarde, cada dia uma pessoa se dispõe a fazer o almoço pra coletividade, uma outra para trabalhar na lojinha e as demais nos outros afazeres. Wilderland hoje conta com oito residentes e um monte de voluntários, que vão para visitar a comunidade por algumas semanas. A comunidade sempre esta aberta a novos residentes que queiram residir lá ou visitantes. A moradora mais antiga é Edith, uma mulher de 93 anos, fundadora da comunidade junto com seu recém falecido marido Dan. Wilderland é a primeira comunidade libertaria a surgir na Nova Zelândia e resiste através dos tempos, cultivando a liberdade, a harmonia com o meio-ambiente, a cultura orgânica. “Welcome to Wilderland World”!

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Anarquismo na Nova Zelândia hoje

agência de notícias anarquistas-ana
mr.ana@terra.com.br

Cada vez mais o anarquismo pipoca em países com pouca ou nenhuma tradição de luta libertária. E na Nova Zelândia não podia ser diferente. O anarquista Toby é integrante do grupo Wildcat e editor da revista Thrall, de Wellington. E fala para a ANA das movimentações anárquicas naquela parte do planeta rica em paisagens naturais e terra dos índios Maoris, um dos primeiros povos a usar seu próprio corpo como arte, através das tatuagens e piercings.

Grupos

O movimento anarquista na Nova Zelândia, ou Aotearoa (o nome Maori para Nova Zelândia) é pequeno, mas mostra alguns sinais encorajantes. No momento, há grupos anarquistas funcionando em Auckland, “Class War Youth Anarchist Organisation”, Wellington, o “Committee for the Establishment of Civilisation”, o “Freedom Shop Collective”, e o “Wildcat”, e em Christchurch “Anarchist Round Table”, ou ART. Também há agrupamentos anarquistas informais em Hamilton e Dunedin, e uma seção da união sindicalista “Industrial Workers of the World” (IWW), em Dunedin.

Encontro

Uma recente conferência nacional anarquista organizada pela ART, feita em Chistchurch, no ano passado, atraiu aproximadamente 50 pessoas, o que não é ruim considerando que somente um quarto da população (900.000) vive em South Island e que na Nova Zelândia falta uma tradição de política radical, em qualquer tipo de política, luta.

Atividades e lutas

As atividades desses grupos são variadas. Algumas são focalizadas em lutas locais da comunidade, como os anarquistas de Wellington, envolvidos na tentativa de parar a construção de uma estrada inútil que passará no meio da cidade, que destruirá diversas moradias, incluindo a “Freedom Shop”, que é a única livraria anarquista na Nova Zelândia. A luta contra essa estrada na cidade envolve ocupações, policiais desordenados, manifestações, assim como parar a tentativa dos guardas de segurança de nos tirar para fora da “Freedom Shop”. A “Freedom Shop” ainda está funcionando, mas seu futuro é incerto. A “Class War Youth”, de Auckland, esteve, recentemente, pesadamente envolvida numa greve no ensino médio para apoiar os professores, que estavam participando em uma arriscada greve maciça. Eles também participaram de ações diretas contra a privatização da água em Auckland. A ART em Christchurch esteve envolvida na construção de um centro ativista (já inexistente), direitos de beneficiários, e ajudou a produzir um jornal da comunidade local. A maioria dos grupos está ativa na oposição à guerra das elites americanas “contra o terrorismo”.

Fraqueza

A maior fraqueza do movimento anarquista, acredito eu, é que nós temos muito pouca influência nos locais de trabalho. Em anos recentes nós tivemos alguma influência em lutas da comunidade operária, e em lutas de beneficiários, mas efetivamente não há influência nos locais de trabalho. A IWW está tentando superar isto, e fez um ótimo trabalho ao apoiar a luta dos estivadores, no ano passado, mas a IWW como uma organização não deslanchou ainda.

Crescendo

Por outro lado, o movimento anarquista está agora atraindo uma escala maior de pessoas, do que apenas os punks e hippies aos quais esteve limitado há 10 anos atrás. Tem havido uma mudança do “estilo de vida anarquista” e do anarquismo liberal para um “anarquismo de luta de classes”. Essa movimentação é estimulada pela revista “Thrall”, a maior revista anarquista na Nova Zelândia, produzida por um coletivo de anarco-comunistas e anarco-sindicalistas em Wellington e Christchurch.

Luta de classes

O anarquismo de luta de classes parece ser bem mais relevante às condições na Nova Zelândia hoje, onde nós temos sido sujeitos a um assalto do neoliberalismo aos níveis de vida, salários e condições de trabalho, que colocaram aproximadamente 30% da população abaixo da linha de pobreza. Nós ainda não chegamos a uma situação tão mal quanto à da Argentina, mas a Nova Zelândia decaiu de um dos países mais ricos do mundo nos anos 60 para um dos países com menor nível de vida do 1º mundo atualmente. Entretanto, o assalto neoliberal e a recessão não resultaram em muita resistência da classe trabalhadora. A resistência foi isolada e subornada, assim como a onda de ocupações de terra dos Maoris na metade dos anos 90. A maioria dos neozelandeses é apática e se sente sem poder para mudar as coisas, no geral há pouco interesse na política radical.

Maoris e anarquismo

O assim chamado “movimento anticapitalista” tem recentemente reavivado um pouco seu interesse pelo anarquismo. Nós organizamos muitos “carnavais contra o capitalismo” bem-sucedidos em Wellington. Atraíram até 800 pessoas, o que não parece muito, mas considerando que os protestos na Nova Zelândia tendem a atrair como 50 pessoas na média de anos recentes, os números são, na verdade, relativamente altos. Com a organização dos carnavais nós estabelecemos boas redes com grupos de autodeterminação Maoris anticapitalistas, que são parte da rede internacional Ação Global dos Povos (AGP ou PGA). A AGP da Nova Zelândia estará organizando uma conferência este ano em Wellington. Isso é emocionante porque é a primeira vez que grupos de autodeterminação Maoris foram atraídos pelo anarquismo e pelas formas anarquistas descentralizadas de organização.


Mais infos:

Thrall - POB 22-076 – Christchurch – Aotearoa – New Zealand
e-mail: thrallnet@yahoo.com
www.thrall.orcon.net.nz
www.freespeech.org/thrall

Colaborou Karina Lima, Belo Horizonte (MG)

Agência de Notícias Anarquistas-ANA

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

4 - RODIN - SÉRIE VIDA E OBRA DOS VELHOS NOBRES



Escultor francês (12/11/1840-17/11/1917). Considerado um dos maiores artistas plásticos de todos os tempos. Renova a escultura com um estilo que materializa os sentimentos. Nasce em Paris e aos 14 anos ingressa na Petite École de Dessin.
Reprovado no exame de admissão da École des Beaux-Arts, trabalha como moldador. Tem vida amorosa tumultuada. Seu caso mais famoso, com a escultora Camille Claudel, acaba muito antes da internação da amante em num sanatório.

Sua primeira obra, O Homem do Nariz Quebrado (1864), é rejeitada pela crítica. Com A Idade do Bronze, causa polêmica no Salão de 1877: a perfeição da figura humana faz o júri suspeitar que tenha sido usado como molde um modelo vivo.
Recebe então a primeira encomenda pública, uma enorme porta de bronze para o Musée des Arts Décoratifs (Paris). O tema é A Divina Comédia, de Dante Alighieri. A Porta do Inferno o ocupa até o fim da vida. Entre suas quase 200 esculturas estão O Pensador, O Beijo e O Filho Pródigo. A partir de 1908 vive no Hôtel Biron, em Paris, transformado em Museu Rodin após sua morte, ocorrida em Meudon.




Uma entrevista com Rodin
(excertos)

Paul Gsell


Entre os depoimentos de contemporâneos sobre Rodin, tornou-se conhecido o de Paul Gsell, por sua densidade informativa e atualidade vivenciada. As conversas entre ambos, que retratam o homem e artista Rodin, foram reunidas no livro L'Art, Paris, 1924.

Mas o espírito, o pensamento, o sonho – nada disso interessa mais. A arte está morta.
A arte é a contemplação. É o prazer do espírito que penetra na natureza e aí adivinha o espírito de que ela própria é animada. É a alegria da inteligência que vê o universo com clareza e o recria iluminando-o com a consciência. A arte é a missão mais sublime do homem, porque é o exercício do pensamento que procura compreender e fazer compreender o mundo.

Mas hoje em dia a humanidade acredita que pode prescindir da arte. Os homens não querem mais meditar, contemplar, sonhar: querem ter apenas prazer físico. As verdades mais altas e profundas lhes são indiferentes: basta-lhes satisfazer seus apetites corporais. A humanidade de hoje é bestial: não sabe o que fazer com seus artistas.

A arte é também o gosto. Em todos os objetos que um artista modela, ela é o reflexo do seu coração. É o sorriso da alma humana sobre a casa ou sobre o mobiliário... É o encanto do pensamento e do sentimento incorporado a tudo o que serve aos homens. Mas quantos entre nossos contemporâneos sentem a necessidade de morar ou mobiliar a casa com gosto? Antigamente, na velha França, a arte estava em tudo. Os mais humildes burgueses, até mesmo os camponeses, só faziam uso dos objetos bonitos de se ver. Suas cadeiras, mesas, panelas e jarros eram lindos. Hoje a arte está banida da vida cotidiana. O que é útil – segundo se diz – não tem necessidade de ser belo. Tudo é feito e fabricado à pressa e sem graça por máquinas estúpidas. Ah! Meu caro Gsell, você quer anotar as divagações de um artista. Deixe-me olhá-lo: você é um homem verdadeiramente extraordinário!

O MODELADO

Uma tarde em que eu viera visitar Rodin no seu ateliê, a noite caiu muito depressa enquanto conversávamos.

- Você já contemplou uma estátua antiga à luz da lâmpada?, me perguntou subitamente meu anfitrião.

- Palavra que não!, disse-lhe com alguma surpresa.

- Eu o espanto e você parece considerar uma fantasia bizarra a idéia de contemplar escultura de outra forma que não à luz do dia. Certamente a luz natural é a que melhor permite admirar a obra no seu conjunto... Mas, espere um pouco!... Quero que você assista a uma espécie de experiência que sem dúvida o irá esclarecer...

Enquanto falava, ele acendeu uma lâmpada. Pegando-a, me conduziu até um torso de mármore que estava sobre um pedestal num canto do ateliê. Era uma deliciosa e pequena cópia antiga da Vênus de Medicis. Rodin a guardava ali para estimular sua própria inspiração durante o trabalho.

- Aproxime-se!, disse ele.

Iluminou o ventre com a luz rasante, mantendo a lâmpada sobre o flanco da estátua o mais perto possível.

- O que é que você está notando?, interrogou ele.

Num primeiro olhar, eu estava extraordinariamente impressionado com o que de súbito se me revelava. A luz dirigida daquele modo me fazia perceber sobre a superfície do mármore quantidades de saliências e depressões suaves de que jamais suspeitara antes. Disse isso a Rodin.

- Bom!, concordou ele.
Depois acrescentou:

- Olhe bem!

Ao mesmo tempo, fez girar muito suavemente a plataforma móvel sobre a qual estava a Vênus. Durante a rotação, eu continuei a notar sobre a forma geral do ventre uma série de imperceptíveis saliências. O que à primeira vista parecia simples era, na realidade, de uma complexidade sem igual. Confiei minhas observações ao mestre escultor. Ele balançava a cabeça sorrindo.

- Não é maravilhoso?, repetia ele. Concorde que você não esperava descobrir tantos detalhes. Repare!... Veja portanto as ondulações infinitas na linha que liga o ventre à coxa... Aprecie todas as curvas voluptuosas da anca... E agora, ali... sobre os rins, todas essas covinhas admiráveis.

Ele falava baixo com um ardor devoto. Curvava-se sobre o mármore como se tivesse ficado apaixonado por ele.

- É carne de verdade!, dizia.

E acrescentou radiante:

- Dir-se-ia petrificada com os beijos e as carícias!

Depois, subitamente, colocando a mão espalmada sobre a anca da estátua:

- Dá quase a impressão, ao apalpar este torso, de que sentimos seu calor.
Alguns momentos depois:

- Pois bem! Que pensa você hoje das críticas que ordinariamente se fazem à arte grega? Diz-se – foi sobretudo a Escola acadêmica que difundiu esta opinião – que os Antigos, no seu culto pelo ideal, desprezavam a carne como vulgar e vil, e que se recusavam a reproduzir nas suas obras os mil detalhes da realidade material.

Pretende-se que eles quiseram dar lições à Natureza ao criarem com formas simplificadas uma Beleza abstrata que só ao espírito se destina e que de modo nenhum admite lisonjear os sentidos. E aqueles que assim falam valem-se do exemplo que imaginam encontrar na arte antiga para corrigirem a Natureza, para a castrarem e a reduzirem a contornos secos, frios e bem unidos que nada têm a ver com a verdade. Hoje você acaba de verificar até que ponto eles se enganam.

Sem dúvida, os gregos, com seu espírito profundamente lógico, acentuavam instintivamente o essencial. Eles revelavam os traços dominantes do tipo humano. Contudo, não suprimiam nunca o detalhe vivo. Contentaram-se em encobrir e fundir no conjunto. Como tinham paixão pelos ritmos calmos, atenuaram involuntariamente os relevos secundários que pudessem prejudicar a serenidade de um movimento; mas cuidaram de não os eliminar inteiramente. Jamais fizeram da mentira um método.

Cheios de amor e de respeito pela Natureza, representavam-na sempre tal como a viram. E em todas as ocasiões testemunharam apaixonadamente sua adoração pela carne. Porque é loucura acreditar que eles a tenham desdenhado. Em nenhum povo a beleza do corpo humano despertou uma ternura tão sensual. Um arrebatamento de êxtase parece vaguear em todas as formas que modelaram.

Assim se explica a incrível diferença entre a arte grega e o falso ideal acadêmico.

Enquanto entre os Antigos a generalização das linhas é uma totalização, uma resultante de todas as minúcias, a simplificação acadêmica é um empobrecimento, um vazio intumescimento. Enquanto a vida anima e aquece os músculos palpitantes das estátuas gregas, os bonecos inconscientes da arte acadêmica estão como que inteiriçados pela morte.

Rodin ficou calado por algum tempo. Depois continuou:

- Vou confiar-lhe um grande segredo. A impressão de vida real que acabamos de sentir diante desta Vênus, você sabe por que é produzida? Pela ciência do modelado. Estas palavras parecem banais, mas você vai entender toda a sua importância.

A ciência do modelado me foi ensinada por um certo Constant, que trabalhava no ateliê de decoração onde fiz minha iniciação como escultor. Um dia, vendo-me modelar na argila um capitel ornado de folhas, disse-me:

- Rodin, você está trabalhando errado. Todas as suas folhas são planas. É por isso que não parecem reais. Faça que apontem para você de tal sorte que quem as vir tenha a sensação da profundidade.

Segui o conselho e fiquei maravilhado com o efeito que obtive.

- Preste bem atenção no que vou lhe dizer, prosseguiu Constant. Quando você esculpir, não veja nunca as formas em extensão, mas sempre em profundidade... Não considere jamais uma superfície senão como a extremidade de um volume, como uma ponta mais ou menos larga que ele dirige para você. É assim que você adquirirá a ciência do modelado.

Este princípio foi para mim de uma espantosa fecundidade. Eu o apliquei na execução das figuras. No lugar de imaginar as diferentes partes do corpo como superfícies mais ou menos planas, eu as representei como saliências de volumes interiores. Esforcei-me por fazer sentir em cada intumescência do torso ou dos membros o afloramento de um músculo ou de um osso que se desenvolvia em profundidade sob a pele.

E desta forma a verdade das minhas figuras, em vez de superficial, parecia desabrochar de dentro para fora como a própria vida...

Ora, descobri que os Antigos praticavam exatamente esse método de modelar. E é certamente a essa técnica que suas obras devem ao mesmo tempo o vigor e a leveza fremente.


O PENSAMENTO NA ARTE

Num domingo pela manhã, estando com Rodin no seu ateliê, me detive diante da moldagem de uma de suas obras mais surpreendentes. É uma bela e jovem mulher cujo corpo se torce dolorosamente. Parece mergulhada num tormento misterioso. Com a cabeça profundamente inclinada, lábios e pálpebras fechados. Poder-se-ia pensar que dormia. Mas a angústia dos seus traços revela a dramática contenção do seu espírito.

O que mais surpreende, ao observá-la, é que ela não tem pernas nem braços. Parece que o escultor os quebrou, num acesso de desprazer consigo próprio. Impossível não lamentar que uma figura tão poderosa esteja incompleta. São deploráveis as cruéis amputações que ela sofreu. Como eu testemunhasse, contra a vontade, esse sentimento perante meu anfitrião:

- Por que me censura?, diz ele com algum espanto. Foi intencionalmente, acredite, que eu deixei minha estátua neste estado. Ela representa a Meditação. É por isso que ela não tem braços para agir, nem pernas para andar. Você ainda não notou, com efeito, que a reflexão, quando levada muito longe, sugere argumentos tão plausíveis para as determinações mais opostas, que ela aconselha a inércia?

(...)

Lembrei-me de uma crítica que freqüentemente era provocada pelas obras de Rodin e, sem aliás me associar a ela, submeti-a ao mestre a fim de saber como ele a rebateria:

- Os literatos, disse-lhe eu, não podem deixar de aplaudir as verdades substanciais expressas por todas as suas esculturas. Mas certos críticos o censuram exatamente por ter uma inspiração mais literária do que plástica. Eles acham que você capta habilmente o apoio dos escritores fornecendo-lhes temas sobre os quais podem exercitar livremente sua retórica. E eles declaram que a arte não admite tão grande ambição filosófica.

- Se meu modelado é ruim, respondeu vivamente Rodin, se eu cometo erros de anatomia, se interpreto mal os movimentos, se ignoro a ciência de animar o mármore, esses críticos têm carradas de razão. Mas se minhas figuras são corretas e vivas, que têm então a censurar nelas? E com que direito pretenderiam me proibir de nelas inserir certas intenções? De que se queixam eles se, além do meu trabalho profissional, lhes ofereço idéias e enriqueço com um significado formas capazes de seduzir os olhos? Além disso, enganam-se profundamente os que imaginam que os verdadeiros artistas podem se contentar em ser hábeis trabalhadores e que a inteligência não lhes é necessária. Ao contrário, ela é indispensável para pintar ou talhar até mesmo as imagens que parecem mais despidas de pretensões espirituais e que se destinam apenas a encantar os olhos. Quando um bom escultor modela uma estátua, seja ela qual for, é preciso, antes de tudo, que ele conceba firmemente seu movimento geral; é preciso, em seguida, que até o fim da tarefa ele mantenha energicamente em plena luz da sua consciência a idéia de conjunto, para retomá-la sem cessar e vincular-lhe intimamente os mínimos detalhes de sua obra. E tudo isso não se faz sem um penoso esforço do pensamento.

- Certamente, respondi eu, não se pode, sem injustiça, contestar o vigor cerebral dos grandes pintores e escultores. Mas, para voltarmos a uma questão mais específica, não existirá entre a arte e a literatura uma fronteira que os artistas não devem ultrapassar?

- Confesso a você, retrucou Rodin, que de minha parte dificilmente suporto as interdições de passagem. Não há, segundo entendo, nenhuma regra que possa impedir um escultor de criar uma bela obra a seu modo. E que importa que essa obra seja de escultura ou de literatura, se o público nela encontra utilidade e prazer? Pintura, escultura, literatura e música estão mais próximas umas das outras do que geralmente se crê. Todas elas exprimem os sentimentos da alma humana diante da Natureza. Apenas os meios de expressão é que variam.

Mas se o escultor consegue sugerir, pelos processos de sua arte, impressões que costumam ser produzidas pela literatura ou pela música, por que criticá-lo sem propósito? Um publicista criticava recentemente o meu Vitor Hugo, do Palais Royal, afirmando que não se tratava de escultura e sim de música. E acrescentava ingenuamente que aquela obra fazia pensar numa sinfonia de Beethoven. Oxalá que ele tivesse dito a verdade!

Não nego, aliás, que não seja útil meditar sobre as diferenças entre os meios literários e os meios artísticos. Em primeiro lugar, a literatura oferece a particularidade de poder exprimir idéias sem recorrer a imagens. Ela pode dizer, por exemplo, que a reflexão muito profunda conduz muitíssimas vezes à inação, sem ter necessidade de representar uma mulher pensativa e incapaz de se mover. Esta faculdade de fazer malabarismos com as abstrações através das palavras talvez dê à literatura uma vantagem sobre as outras artes, no domínio do pensamento.

Deve-se dizer ainda que a literatura desenvolve histórias com começo, meio e fim. Ela encadeia diversos acontecimentos, dos quais tira uma conclusão. Faz personagens agirem e mostra as conseqüências da sua conduta. Desta maneira as cenas que ela evoca se reforçam por sua sucessão e só adquirem valor em razão da parte que tomam no progresso do enredo.

Mas não acontece o mesmo com as artes da forma. Elas nunca representam mais do que uma única fase de uma ação. É por esse motivo que os escultores talvez não tenham razão de extrair seus temas das obras dos escritores, como fazem amiúde. O artista que interpreta uma parte da narrativa deve, de fato, supor conhecido o resto do texto. Sua obra necessita apoiar-se na do literato: ela só adquire seu completo significado se for iluminada pelos fatos que vêm antes e depois.

(...)

Na minha maneira de ver é melhor que as obras dos pintores e escultores contenham em si próprias todo o seu interesse. De fato, a arte pode suscitar o pensamento e o sonho sem precisar recorrer à literatura. Em vez de ilustrar cenas de poemas, ela não tem mais que servir-se de símbolos muito claros que não subentendem nenhum texto escrito. Esse tem sido de modo geral o meu método, e não me tenho dado mal com ele.

O meu anfitrião me indicava assim, suas esculturas reunidas em torno de nós o proclamavam na sua linguagem muda. Eu via ali, efetivamente, as modelagens de muitas das suas obras mais irradiantes de idéias. Pus-me a olhá-las. Admirei a reprodução de Pensée, que está no Museu de Luxemburgo. Quem não se lembra desta obra singular?

Contemple as obras-primas da arte. Toda sua beleza provém do pensamento, da intenção que seus autores acreditaram adivinhar no Universo. E tão vivaz, tão profundo é o pensamento dos grandes artistas, que se mostra fora de qualquer tema. Ele nem mesmo tem necessidade de uma figura inteira para se exprimir. Tome não importa qual fragmento de uma obra-prima e nele reconhecerá a alma do autor. Compare, por favor, as mãos em dois retratos pintados por Ticiano e Rembrandt. A mão de Ticiano será dominadora; a de Rembrandt, modesta e corajosa. Nesses pedacinhos de pintura se encerra todo o ideal destes mestres.

Eu escutava apaixonadamente esta bela profissão de fé sobre a espiritualidade da arte. Mas, depois de um momento, uma objeção me vinha aos lábios: - As suas palavras provam claramente que em você, pelo menos, a mão é guiada pelo espírito; mas acontecerá o mesmo com todos os mestres? Estarão eles sempre pensando quando trabalham? Terão sempre a noção clara do que seus admiradores virão a descobrir em sua obras?

- Entendamo-nos!, disse Rodin rindo; existem certos admiradores de cérebro complicado que atribuem aos artistas intenções totalmente inesperadas. Desses não façamos conta. Mas convença-se de que os mestres sempre têm plena consciência do que fazem.

Na verdade, se os céticos de que você fala soubessem de quanta energia precisa por vezes o artista para traduzir muito frouxamente o que sente e pensa com a maior força, eles não duvidariam por certo de que o que aparece luminosamente numa pintura ou escultura não tenha sido desejado.

Em suma, as mais puras obras-primas são aquelas em que não se encontra mais nenhum resíduo inexpressivo de formas, linhas ou cores, mas em que tudo, absolutamente tudo, se resolve em pensamento e alma.

E, quando os mestres animam a Natureza com seu ideal, é bem possível que se iludam. Pode bem ser que ela seja governada por uma Força indiferente ou por uma Vontade cujos desígnios nossa inteligência é incapaz de penetrar. Ao menos, o artista, ao representar o Universo tal como ele o imagina, formula seus próprios sonhos. A propósito da Natureza, é a sua própria alma que ele celebra. E assim enriquece a alma da humanidade. Porque, impregnando do seu espírito o mundo material, revela aos seus contemporâneos extasiados mil matizes de sentimento. Ele lhes faz descobrir em si mesmos riquezas até então desconhecidas. Dá-lhes novas razões para amar a vida, novas iluminações interiores para se conduzir. Ele é, como de Virgílio dizia Dante, seu guia, seu senhor e seu mestre.

(...)

In Revista Humanidades, Editora Universidade de Brasília, Brasília (DF), julho/setembro de 1984, volume II, número 8.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

2º -CRÍTICA AO TEATRO FÚRIA E OS INSURRETOS DESGOVERNADOS



ENTRE TAPAS E CUSPES

Grupo de Cuiabá apresenta A Justiça do 0 X 0, no Solar do Barão.

O Retorno do homem contemporâneo a formas extraordinárias de estupidez, em vários níveis, do religioso ao político, é uma das preocupações do Teatro Fúria, criado em 1998, em Cuiabá, e um dos mais importantes grupos de Mato Grosso. Com Nepal e Apartamento 501, arrebatou prêmios em festivais nacionais, além de boas críticas. No Fringe, apresenta-se com Toma Lá Dá Cá – A Justiça do 0 X 0, no Solar do Barão, de Péricles Anarcos, ator e um dos fundadores do grupo.

A montagem tem um forte argumento: o embate entre a justiça – que mediatiza as ações do ser humano – e o imediatismo das vontades e desejos humanos, que, para além de qualquer psicanálise, continua acusando a besta que nos habita. Coerente, a dramaturgia sustenta-se sobre o pilar da contradição entre o racionalismo e o primitivismo, sob um registro alegórico: o Escritório Deliberativo Permanente, onde se delibera sobre queixas e crimes, aplicando-se a justiça em prol de um reequilíbrio do ato desestabilizador. Mas o sistema é ameaçado com a chegada de uma nova deliberadora.

Para “contar” essa história, o grupo se vale de um tipo de encenação surgido no início dos anos 60: sacudir a passividade da platéia gerando um sentimento de mal-estar decorrente de atos supostamente transgressores. Vale dizer que os atores, que gritam, cospem, correm e arremessam objetos sobre a platéia, optam por uma encenação datada, dissolvendo um ótimo argumento em excesso de descaramento e cinismo.

Claro que tal característica salienta a identidade de um grupo provocador e astuto (não passará invisível por Curitiba). Mas, a partir dele, podemos indagar: o cinismo é o caminho necessário da contemporaneidade? A provocação não surtiria mais efeito se o grupo se preocupasse mais com uma estética para o palco (afinal, há uma partitura sonora competente, atores corajosos, movimentos significativos e uma iluminação inteligente – branca-geral para a realidade e simbolista-vermelha para as aberrações do inconsciente)? Deliberemos....

Marici Salomão
Dramaturga e Jornalista

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terça-feira, 27 de janeiro de 2009

2 - TEXTOS DE ESTUDOS DO NÚCLEO DE PESQUISAS TEATRAIS


Deleuze - Sociedade de Controle
SOBRE AS SOCIEDADES DE CONTROLE*POST-SCRIPTUM Gilles Deleuze
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1.HISTÓRICO
Foucault situou as sociedades disciplinares nos séculos XVIII e XIX; atingem seu apogeu no início do século XX. Elas procedem à organização dos grandes meios de confinamento. O indivíduo não cessa de passar de um espaço fechado a outro, cada um com suas leis: primeiro a família, depois a escola ("você não está mais na sua família"), depois a caserna ("você não está mais na escola"), depois a fábrica, de vez em quando o hospital, eventualmente a prisão, que é o meio de confinamento por excelência. É a prisão que serve de modelo analógico: a heroína de Europa 51, de Rosselini, pode exclamar, ao ver operários, "pensei estar vendo condenados...". Foucault analisou muito bem o projeto ideal dos meios de confinamento, visível especialmente na fábrica: concentrar; distribuir no espaço; ordenar no tempo; compor no espaço-tempo uma força produtiva cujo efeito deve ser superior à soma das forças elementares. Mas o que Foucault também sabia era da brevidade deste modelo: ele sucedia às sociedades de soberania, cujo objetivo e funções eram completamente diferentes (taxar mais do que organizar a produção, decidir sobre a morte mais do que gerir a vida); a transição foi feita progressivamente, e Napoleão parece ter operado a grande conversão de uma sociedade à outra. Mas as disciplinas, por sua vez, também conheceriam uma crise, em favor de novas forças que se instalavam lentamente e que se precipitariam depois da Segunda Guerra mundial: sociedades disciplinares é o que já não éramos mais, o que deixávamos de ser. Encontramo-nos numa crise generalizada de todos os meios de confinamento, prisão, hospital, fábrica, escola, família. A família é um "interior ", em crise como qualquer outro interior, escolar, profissional, etc. Os ministros competentes não param de anunciar reformas supostamente necessárias. Reformar a escola, reformar a indústria, o hospital, o exército, a prisão; mas todos sabem que essas instituições estão condenadas, num prazo mais ou menos longo. Trata-se apenas de gerir sua agonia e ocupar as pessoas, até a instalação das novas forças que se anunciam. São as sociedades de controle que estão substituindo as sociedades disciplinares. "Controle" é o nome que Burroughs propõe para designar o novo monstro, e que Foucault reconhece como nosso futuro próximo. Paul Virillo também analisa sem parar as formas ultra-rápidas de controle ao ar livre, que substituem as antigas disciplinas que operavam na duração de um sistema fechado. Não cabe invocar produções farmacêuticas extraordinárias, formações nucleares, manipulações genéticas, ainda que elas sejam destinadas a intervir no novo processo. Não se deve perguntar qual é o regime mais duro, ou o mais tolerável, pois é em cada um deles que se enfrentam as liberações e as sujeições. Por exemplo, na crise do hospital como meio de confinamento, a setorização, os hospitais-dia, o atendimento a domicílio puderam marcar de início novas liberdades, mas também passaram a integrar mecanismos de controle que rivalizam com os mais duros confinamentos. Não cabe temer ou esperar, mas buscar novas armas.
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II. LÓGICA
Os diferentes internatos ou meios de confinamento pelos quais passa o indivíduo são variáveis independentes: supõe-se que a cada vez ele recomece do zero, e a linguagem comum a todos esses meios existe, mas é analógica. Ao passo que os diferentes modos de controle, os controlatos, são variações inseparáveis, formando um sistema de geometria variável cuja linguagem é numérica (o que não quer dizer necessariamente binária). Os confinamentos são moldes, distintas moldagens, mas os controles são uma modulação, como uma moldagem auto-deformante que mudasse continuamente, a cada instante, ou como uma peneira cujas malhas mudassem de um ponto a outro. Isto se vê claramente na questão dos salários: a fábrica era um corpo que levava suas forças internas a um ponto de equilíbrio, o mais alto possível para a produção, o mais baixo possível para os salários; mas numa sociedade de controle a empresa substituiu a fábrica, e a empresa é uma alma, um gás. Sem dúvida a fábrica já conhecia o sistema de prêmios mas a empresa se esforça mais profundamente em impor uma modulação para cada salário, num estado de perpétua metaestabilidade, que passa por desafios, concursos e colóquios extremamente cômicos. Se os jogos de televisão mais idiotas têm tanto sucesso é porque exprimem adequadamente a situação de empresa. A fábrica constituía os indivíduos em um só corpo, para a dupla vantagem do patronato que vigiava cada elemento na massa, e dos sindicatos que mobilizavam uma massa de resistência; mas a empresa introduz o tempo todo uma rivalidade inexpiável como sã emulação, excelente motivação que contrapõe os indivíduos entre si e atravessa cada um, dividindo-o em si mesmo. O princípio modulador do "salário por mérito" tenta a própria educação nacional: com efeito, assim como a empresa substitui a fábrica, a formação permanente tende a substituir a escola, e o controle contínuo substitui o exame. Este é o meio mais garantido de entregar a escola à empresa. Nas sociedades de disciplina não se parava de recomeçar (da escola à caserna, da caserna à fábrica), enquanto nas sociedades de controle nunca se termina nada, a empresa, a formação, o serviço sendo os estados metaestáveis e coexistentes de uma mesma modulação, como que de um deformador universal. Kafka, que já se instalava no cruzamento dos dois tipos de sociedade, descreveu em O processo as formas jurídicas mais temíveis: a quitação aparente das sociedades disciplinares (entre dois confinamentos), a moratória ilimitada das sociedades de controle (em variação contínua) são dois modos de vida jurídicos muito diferentes, e se nosso direito, ele mesmo em crise, hesita entre ambos, é porque saímos de um para entrar no outro. As sociedades disciplinares têm dois pólos: a assinatura que indica o indivíduo, e o número de matrícula que indica sua posição numa massa. É que as disciplinas nunca viram incompatibilidade entre os dois, e é ao mesmo tempo que o poder é massificante e individuante, isto é, constitui num corpo único aqueles sobre os quais se exerce, e molda a individualidade de cada membro do corpo (Foucault via a origem desse duplo cuidado no poder pastoral do sacerdote - o rebanho e cada um dos animais - mas o poder civil, por sua vez, iria converter-se em "pastor" laico por outros meios). Nas sociedades de controle, ao contrário, o essencial não é mais uma assinatura e nem um número, mas uma cifra: a cifra é uma senha, ao passo que as sociedades disciplinares são reguladas por palavras de ordem (tanto do ponto de vista da integração quanto da resistência). A linguagem numérica do controle é feita de cifras, que marcam o acesso à informação, ou a rejeição. Não se está mais diante do par massa-indivíduo. Os indivíduos tornaram-se "dividuais", divisíveis, e as massas tornaram-se amostras, dados, mercados ou "bancos". É o dinheiro que talvez melhor exprima a distinção entre as duas sociedades, visto que a disciplina sempre se referiu a moedas cunhadas em ouro - que servia de medida padrão -, ao passo que o controle remete a trocas flutuantes, modulações que fazem intervir como cifra uma percentagem de diferentes amostras de moeda. A velha toupeira monetária é o animal dos meios de confinamento, mas a serpente o é das sociedades de controle. Passamos de um animal a outro, da toupeira à serpente, no regime em que vivemos, mas também na nossa maneira de viver e nas nossas relações com outrem. O homem da disciplina era um produtor descontínuo de energia, mas o homem do controle é antes ondulatório, funcionando em órbita, num feixe contínuo. Por toda parte o surf já substituiu os antigos esportes. É fácil fazer corresponder a cada sociedade certos tipos de máquina, não porque as máquinas sejam determinantes, mas porque elas exprimem as formas sociais capazes de lhes darem nascimento e utilizá-las. As antigas sociedades de soberania manejavam máquinas simples, alavancas, roldanas, relógios; mas as sociedades disciplinares recentes tinham por equipamento máquinas energéticas, com o perigo passivo da entropia e o perigo ativo da sabotagem; as sociedades de controle operam por máquinas de uma terceira espécie, máquinas de informática e computadores, cujo perigo passivo é a interferência, e o ativo a pirataria e a introdução de vírus. Não é uma evolução tecnológica sem ser, mais profundamente, uma mutação do capitalismo. É uma mutação já bem conhecida que pode ser resumida assim: o capitalismo do século XIX é de concentração, para a produção, e de propriedade. Por conseguinte, erige a fábrica como meio de confinamento, o capitalista sendo o proprietário dos meios de produção, mas também eventualmente proprietário de outros espaços concebidos por analogia (a casa familiar do operário, a escola). Quanto ao mercado, é conquistado ora por especialização, ora por colonização, ora por redução dos custos de produção. Mas atualmente o capitalismo não é mais dirigido para a produção, relegada com frequência à periferia do Terceiro Mundo, mesmo sob as formas complexas do têxtil, da metalurgia ou do petróleo. É um capitalismo de sobre-produção. Não compra mais matéria-prima e já não vende produtos acabados: compra produtos acabados, ou monta peças destacadas. O que ele quer vender são serviços, e o que quer comprar são ações. Já não é um capitalismo dirigido para a produção, mas para o produto, isto é, para a venda ou para o mercado. Por isso ele é essencialmente dispersivo, e a fábrica cedeu lugar à empresa. A família, a escola, o exército, a fábrica não são mais espaços analógicos distintos que convergem para um proprietário, Estado ou potência privada, mas são agora figuras cifradas, deformáveis e transformáveis, de uma mesma empresa que só tem gerentes. Até a arte abandonou os espaços fechados para entrar nos circuitos abertos do banco. As conquistas de mercado se fazem por tomada de controle e não mais por formação de disciplina, por fixação de cotações mais do que por redução de custos, por transformação do produto mais do que por especialização da produção. A corrupção ganha aí uma nova potência. O serviço de vendas tornou-se o centro ou a "alma" da empresa. Informam-nos que as empresas têm uma alma, o que é efetivamente a notícia mais terrificante do mundo. O marketing é agora o instrumento de controle social, e forma a raça impudente dos nossos senhores. O controle é de curto prazo e de rotação rápida, mas também contínuo e ilimitado, ao passo que a disciplina era de longa duração, infinita e descontínua. O homem não é mais o homem confinado, mas o homem endividado. É verdade que o capitalismo manteve como constante a extrema miséria de três quartos da humanidade, pobres demais para a dívida, numerosos demais para o confinamento: o controle não só terá que enfrentar a dissipação das fronteiras, mas também a explosão dos guetos e favelas.
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III. PROGRAMA
Não há necessidade de ficção científica para se conceber um mecanismo de controle que dê, a cada instante, a posição de um elemento em espaço aberto, animal numa reserva, homem numa empresa (coleira eletrônica). Félix Guattari imaginou uma cidade onde cada um pudesse deixar seu apartamento, sua rua, seu bairro, graças a um cartão eletrônico (dividual) que abriria as barreiras; mas o cartão poderia também ser recusado em tal dia, ou entre tal e tal hora; o que conta não é a barreira, mas o computador que detecta a posição de cada um, lícita ou ilícita, e opera uma modulação universal. O estudo sócio-técnico dos mecanismos de controle, apreendidos em sua aurora, deveria ser categorial e descrever o que já está em vias de ser implantado no lugar dos meios de confinamento disciplinares, cuja crise todo mundo anuncia. Pode ser que meios antigos, tomados de empréstimo às antigas sociedades de soberania, retornem à cena, mas devidamente adaptados. O que conta é que estamos no início de alguma coisa. No regime das prisões: a busca de penas "substitutivas", ao menos para a pequena delinqüência, e a utilização de coleiras eletrônicas que obrigam o condenado a ficar em casa em certas horas. No regime das escolas: as formas de controle contínuo, avaliação contínua, e a ação da formação permanente sobre a escola, o abandono correspondente de qualquer pesquisa na Universidade, a introdução da "empresa" em todos os níveis de escolaridade. No regime dos hospitais: a nova medicina "sem médico nem doente", que resgata doentes potenciais e sujeitos a risco, o que de modo algum demonstra um progresso em direção à individuação, como se diz, mas substitui o corpo individual ou numérico pela cifra de uma matéria "dividual" a ser controlada. No regime da empresa: as novas maneiras de tratar o dinheiro, os produtos e os homens, que já não passam pela antiga forma-fábrica. São exemplos frágeis, mas que permitiriam compreender melhor o que se entende por crise das instituições, isto é, a implantação progressiva e dispersa de um novo regime de dominação. Uma das questões mais importantes diria respeito à inaptidão dos sindicatos: ligados, por toda sua história, à luta contra disciplinas ou nos meios de confinamento, conseguirão adaptar-se ou cederão o lugar a novas formas de resistência contra as sociedades de controle? Será que já se pode apreender esboços dessas formas por vir, capazes de combater as alegrias do marketing? Muitos jovens pedem estranhamente para serem "motivados", e solicitam novos estágios e formação permanente; cabe a eles descobrir a que estão sendo levados a servir, assim como seus antecessores descobriram, não sem dor, a finalidade das disciplinas. Os anéis de uma serpente são ainda mais complicados que os buracos de uma toupeira.
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*DELEUZE, Gilles. Conversações: 1972-1990. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, p. 219-226. Tradução de Peter Pál Pelbart Texto extraído do site Baile de Máscaras (www.informarte.net/bailedemascaras)

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

3 - ENTREVISTA COM JOÃO DAS NEVES- SÉRIE MANIFESTO TEATRAL NOS NOVOS NOBRES


Entrevista com João das Neves

O mundo como dramaturgo, o mundo como pedagogo

Entrevista realizada por Rodrigo Antonio
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Como a necessidade de união em relação ao combate à ditadura forjou uma geração de artistas polivalentes, vide a experiência do CPC – UNE e do grupo Opinião?

O trabalho do CPC abrangia todas as artes, com todos os modos de criação artística, o que acabou nos dando uma grande intimidade com todas elas. E acabou criando artistas que de alguma maneira se deslocavam por si sós do cinema para o teatro, do teatro para a literatura, para a música. Foi rica nesse sentido; além de ser rica também no sentido de que eram artistas que estavam muito envolvidos com a realidade brasileira, envolvidos com todas as formas de fazer artístico e cultural na sociedade brasileira. A nossa proposta de fazer uma arte que fosse acessível para todos, uma arte engajada que lidasse com os problemas da sociedade brasileira.da forma mais abrangente possível. Então independentemente de erros e acertos, foram experiências – para quem participou delas – extremamente ricas, e nos deu, sim, provavelmente essa mobilidade, essa capacidade de mudar de uma coisa para outra., essa intimidade com várias formas de fazer artístico
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Qual era o núcleo duro de artistas dentro do CPC que acabou gerando o grupo Opinião?

Na parte de Teatro era o Vianninha, o Ferreira Gullar, o Armando Costa, a Tereza, Paulo Pontes e eu. Aliás, o Paulo Pontes nem era do Rio de Janeiro, ele chegou no Rio, exatamente, no dia do golpe. Na época eu fiquei encarregado de fazer contato com ele, por que ele estava chegando. Eu fiz contato com ele. Nós integramos, de alguma maneira, ele no Rio. Depois de alguns meses, quando nós fundamos, ele veio integrar o grupo Opinião. O Paulinho era da Paraíba, mas ele acabou ficando prisioneiro, daí em diante. Esse não era o núcleo duro do CPC, era o núcleo duro do pessoal de teatro do CPC, que veio depois a formar o Opinião.
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Como foi essa passagem?

Nós continuávamos as nos reunir, e procurávamos buscar uma saída, no quadro do golpe de 1964, que aquelas idéias que nasceram com o CPC não morressem. Ficamos alguns meses pensando em como proceder, até que decidimos continuar as nossas atividades através de um grupo de teatro. Essas pessoas – todas elas – que formaram o grupo Opinião eram do Partido Comunista, então tínhamos reuniões de células com alguma regularidade e, ali, refletíamos sobre o que fazer. Conseguimos montar essa companhia, que – inicialmente – o grupo Opiniçao não começo se chmando grupo Opinião, nós conversamos com o pessoal do Arena, aqui de São Paulo, e nossos primeiros espetáculos saíram com o nome do Teatro de Arena. Eles tinham uma resistência, que era uma resistência que era legalizada, continuada, embora houvesse toda uma série de percalços que a revolução causou a eles.
O Arena, portanto, nos emprestou o seu nome. O nosso primeiro espetáculo que foi o Show Opinião saiu com o nome do Teatro de Arena, que nós usamos até o terceiro espetáculo. Liberdade, Liberdade foi o nosso segundo espetáculo. E nós só assumimos o nome Opinião com o nosso terceiro trabalho que foi “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Muitos estudiosos citam o Show Opinião como se fosse uma produção do Teatro de Arena, quando na verdade era uma produção nossa, do núcleo que formava o que seria o grupo Opinião.
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O Show Opinião aglutinou vários artistas: músicos, escritores...

Sim, foi o primeiro espetáculo – após o golpe de 64 – que falava do golpe de 64. E esse espetáculo acabou trazendo artistas não só do Rio de janeiro, mas de artistas que passaram pelo Rio. As discussões políticas, os rumos a se tomar em relação ao golpe aconteciam no Opinião, que se tranformou num ponto de encontro entre todos os artistas e intelectuais da época para discutir o que estava acontecendo, e todos os movimentos – contra a censura, por exemplo – acabaram saindo dali.
Isso teve um papel aglutinador também em relação à linguagem, porque se reuniam pessoas de todas as áreas: da música, da literatura, do teatro, do jornalismo. As reuniões subversivas e de discussão artística ocorriam no Opinião.

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Embora tenha havido esta aglutinação, a ditadura mascarou as matizes que a própria esquerda possuía. A esquerda teve que se unificar para atender a um problema comum, que era a ditadura. Como o senhor avalia esse processo?

Toda situação gera perdas e ganhos, nesse caso houve muito mais perdas do que ganhos. Se é possível dizer que houve algum ganho de uma situação como essa, é pelo fato de que esta situação nos obrigou a nos inter-relacionarmos mais, apesar das dificuldades de relacionamento. Pode-se pensar que a relação no Opinião era tranqüila, não era. Seguidas vezes tivemos problemas muito graves. As pessoas eram perseguidas fora dali, constrangendo as reuniões. Mas há ali um ganho de haver a necessidade de as pessoas se encontrarem ali, e de discutirem maneiras de sairmos daquela situação que vivíamos.
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Há algum episódio que seja ilustrativo disto?

O espetáculo Liberdade, Liberdade, por exemplo, foi escrito pelo Millor Fernandes e pelo Flávio Rangel. Era dirigido pelo Rangel, e foi um espetáculo com muito público. Os atores eram Paulo Autran, Tereza Raquel, a Nara Leão, que fazia parte do grupo de música, e o Vianninha.
Certo dia tivemos uma reserva estranha na bilheteria para 20 pessoas [nosso teatro tinha trezentos e poucos lugares]. Isso era um fato inusitado, geralmente iam duas ou três pessoas juntas.

Nós estávamos recebendo ameaças por telefone já há algum tempo. Desconfiados, localizamos a pessoa que fez a reserva e descobrimos que fazia parte de um daqueles grupos de anticomunistas. Imediatamente telefonamos para todos os jornalistas, e avisamos: venha hoje aqui, porque alguma coisa estranha pode ocorrer. Paralelamente, nós fomos até a polícia e fizemos uma denúncia de que poderia haver algum atentado. E dissemos: vocês venham, porque estamos como teatro lotado e se acontecer alguma coisa nós vamos responsabilizar vocês.

E eles foram, efetivamente. E ao começar o espetáculo percebemos que havia caras com volumes estranhos. Não havia revista, mas eles tinham comportamento estanho, iam ao banheiro durante o espetáculo.

De repente uma pessoa da platéia começou a discutir com o Paulo Autran, daqui a pouco mais dois ou três também, até que o Paulo – muito calmo, sempre muito sereno – disse: “acendam as luzes todas, botem luz na platéia, porque aquele senhor e aquele querem falar conosco. Vamos ouvir o que eles têm a dizer. O espetáculo é sobre a Liberdade, vamos deixa-los falar.” [risos]

E como eles não tinham o que dizer, foram se levantando um a um, e foram – 20 pessoas – embora, quietinhas, e o espetáculo continuou.

Isso nos dava uma grande experiência para lidar com situações como essa. No dia do anúncio do AI-5, estávamos montando um espetáculo do Geraldo Vandré – que se chamava Caminhando – e que eu dirigia. E de noite, após os espetáculo botaram uma bomba em nossa bilheteria. Eu morava no bairro Peixoto, próximo ao local, e ouvi a bomba. Fomos ao teatro,.a bilheteria estava inteiramente destruída. Apesar de a bilheteria ser em cima, e o teatro em baixo [e a área de espetáculos não ter sofrido danos], eles interditaram o teatro. Ficamos sem poder trabalhar por vários meses, tendo salários a pagar, aluguel. Jamais foi feita uma investigação correta.

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Esses são alguns dos percalços concretos que a ditadura criou...
Muito concretos [risos]
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Eu gostaria que o senhor falasse de questões mais simbólicas e teóricas, em relação ao fazer teatral. O Sérgio de Carvalho, por exemplo, costuma dizer que a ditadura interrompeu um processo de amadurecimento do Teatro Épico. Havia uma valorização do herói operário, personificada por Eles não usam blacktie, e pesquisas estéticas e políticas mais sofisticadas que estavam em curso foram abortadas pela ditadura. O Teatro Épico que se tem hoje é tributário do teatro engajado dos anos 1960, mas com perdas enormes. O que a ditadura interrompeu desse processo?

Basicamente, ela interrompeu um processo de troca entre as pessoas, sobretudo entre as gerações. Quem estava fazendo teatro, criando, não necessariamente dentro de uma linha do Teatro Épico, aqueles jovens em formação dentro do próprio processo teatral – como Vianninha o próprio Guarnieri – continuaram fazendo o seu trabalho.
Mas a geração que vinha depois, não teve a possibilidade de se formar.

Durante alguns anos, tivemos uma geração que continuou fazendo o seu trabalho, enfocando os problemas da sociedade brasileira, tendo que driblar a censura, e tendo que se expressar por metáforas, que nem sempre eram suficientemente claras. E tudo isso sem poder se relacionar com a geração que estava vindo e queria se expressar e não podia. Até o fechamento total, que se deu em 68, você conseguira trabalhar com certa regularidade, mas o que não havia era a possibilidade de se passar esse aprendizado do que esse estava fazendo. Houve uma geração que acabou não se formando.
Em relação ao Teatro Épico, o nazismo, na Alemanha, também fez esse corte. Mas as pessoas que estavam trabalhando, foram para o exílio e continuaram a se desenvolver. As teorias, a espinha dorsal do Teatro Épico de Brecht, não foi feita na Alemanha, mas sim fora dela., até que ele voltou para lá, mas com toda uma teoria formulada.

Quando há um processo de fechamento, quem está num processo, continua nesse processo de criação. Mas que estava fora, fica impedido de penetrar. A tendência é de se formarem núcleos.

Aqui, teve o núcleo do Arena, do Opinião, teve o Oficina, que conseguiu continuar a trabalhar de alguma maneira ... mas um processo de troca mais fértil acabou não acontecendo. Existia nos núcleos, mas não fora deles. Você era impedido de se reunir, de refletir, de fazer debates. Você era obrigado a restringir as discussões e a sua formação ao seu núcleo e frequentemente esses núcleos eram desbaratados. Você voltava a uma reflexão quase individual.

Nos CPC’s, por exemplo, tínhamos um grande número de artistas. Em cada faculdade havia uma CPC, por todo o Brasil, e cada local desses era um ponto para reflexão, criação, discussão. Essas discussões levavam ao pensamento sobre a realidade brasileira e aos caminhos que esses grupos estavam percorrendo. E descaminhos também: costuma-se dizer que os CPC era uma coisa unívoca, o que não era a reaidade. O CPC era um caldeirão de pensamentos díspares. Tanto assim que, após a revolução, começaram a surgir pessoas e – muito mais tarde – movimentos que tinham como base o CPC. O movimento da Tropicália, por exemplo, pertencia, na base, ao CPC de Salvador. Eles saíram de um centro de reflexão que se dava na universidade. Por mais que eles se colocam-se com idéias contrárias a alguns grupos, eram idéias que estavam postas lá.

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A geração seguinte sofreu de grande despolitização. Em relação ao teatro, nos anos 2000 há uma repolitização da cena e um fortalecimento do teatro de grupo, ao menos em São Paulo. Como o senhor avalia esse fenômeno e como se dá a sua inserção nesse período, ao trabalhar nos rincões do país? Qual a sua relação com essa noção de centro e periferia da produção cultural?

Meu caso não é único, portanto penso ao generalizar a minha experiência particular. Com as experiências dos CPC’s, em todo o Brasil, e o acompanhamento da diretoria da UNE em épocas de eleições, que fazíamos (nós do Rio de Janeiro), ao viajar por todo o país, reproduzíamos – num nível artístico – o que ocorreu com o Marechal Rondon e com a Coluna Prestes.
Vivíamos, pelo Brasil inteiro, escutando, refletindo e conhecendo os diversos movimentos artísticos do país, ao menos dentro da classe média estudantil e – através disso – tomávamos contato com os movimentos populares de criação de arteseanato, de teatro, etc.

Foi através dessas viagens que eu conheci melhor a cerâmica do nordeste, e sobretudo, travei contato com os artistas. Comecei a ver quem fazia cordel no nordeste, quem fazia cerâmica no Vale do Jequitinhonha. Isso ia do amazonas ao Rio Grande do Sul. Isso enriqueceu muito a minha visão de mundo, minha visão sobre o significado da arte, e sobre aquilo que ela significa concretamente no dia a dia das pessoas.

Muitos anos mais tarde, quando dissolvemos totalmente o grupo Opinião, me remeti àquela experiência de modo a me recolocar frente ao Brasil. A partir daí vivi no Acre, na Bahia, em Minas, e em cada lugar, procurei buscar essas fontes.

Acredito que isso aconteceu com muitas pessoas e com muitos grupos que passaram a ter a efetiva necessidade de conhecer esse país mais a fundo. Hoje, nas experiências mais interessantes que podemos encontrar no teatro em São Paulo, como o teatro da Vertigem, por exemplo, os grupos saem pelo Brasil para pesquisar. Esse último trabalho que o Vertigem realizou no Tietê, eles foram até Brasiléia no Acre. Viajaram o Brasil todo para colher material. Isso de alguma maneira vem daí também.

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Essa sua inquietação pessoal foi uma forma de superar a despolitização pós-ditadura? Esse entranhamento no Brasil foi a sua forma de engajamento?

Objetivamente, nós nunca somos uma coisa só. A minha ida para o teatro, para a arte, teve muito a ver com a minha formação de infância. Eu fui um menino criado no meio de obras. Meu pai sempre foi uma pessoa que quis ascender na vida. Ele era farmacêutico e nossa casa sempre teve obras. Era uma casa que se transformou numa farmácia que ficava na frente, depois andou a fazer mais um andarzinho. Na década de 1940, eu tive muito contato com os operários desta obra, que eram quase todos nordestinos. A minha ligação com a cultura do nordeste veio daí. Na minha casa tinha bumba meu boi, na época da cumeeira tinha festas do nordeste, havia operários que faziam literatura de cordel, tocadores de viola. Eles dormiam – como acontece ainda hoje – na obra. Eu me encantei com tudo aquilo. Eu sou, na verdade, artista por causa deles [risos].

Então, a todo esse movimento anterior do CPC, as coisas vão se somando por acaso. E resultaram num modo de disposição em relação ao mundo que é o que eu tenho hoje. Eu sou caudatário em relação a tudo isso. Não só do CPC. O próprio fato de eu gostar das propostas do CPC tem muito a ver com essa formação. E isso foi sempre se acentuando: eu gosto de andar pelo Brasil, cutucando esses rincões distantes, e absorvendo essa cultura, enriquecendo com ela, ganhando muito com ela, aprendendo pra burro, com as pessoas que a gente encontra. Culturalmente.

E isso é importante, porque muitas vezes você encontra pessoas, em termos de uma educação erudita, analfabetas. Mas que são pessoas que têm uma cultura extremamente rica, porque são pessoas que dominam todo o seu universo. O cara que faz a folia de reis sabe fazer a sua violinha, a sua rabeca, as suas caixas; ele conhece todas as plantas que estão em volta dele; é um ser humano que tem pleno domínio das coordenadas do seu universo: sabe cuidar de mordida de cobra, de escorpião. Coisa que eu não sei, das quais sou totalmente ignorante.

Eis um episódio muito bonito, muito curioso: há alguns anos – eu e minha mulher, que é cantora – entrevistamos um capitão de congado, chamado Zé Serverino. Ele era carreiro, trabalhava numa fazenda. E um dia o fazendeiro o chamou e apresentou a ele um moço, e pediu que respondesse àquele moço todas as perguntas que ele fizesse. E o rapaz passou a tarde toda com ele perguntando “essa planta serve para quê? Aquela árvore o que é”. De modo que aquele professor da Universidade de Campinas passou a tarde toda estudando com o ‘seu Zé Severino’.

O mais curioso é que ele me relatou esse dia dizendo: “Foi uma tarde muita boa: passei a tarde toda sem trabalhar”. Ora, veja, ele deu aula o dia todo, e acha que não trabalhou.

Ora. Isso é muito bonito, mostra o quanto não devemos ser arrogantes, ao pensar que sabemos das coisas. Aquele homem, em seu registro oral, nos dá um perfeito testemunho de seu mundo.


fonte revista Camarim nº42

domingo, 25 de janeiro de 2009

3 - TIMOTHY LEARY- Série Vida e Obra dos Velhos Nobres


Entre os principais defensores do uso do LSD nos anos 60, estava Timothy Leary, que chegou a ficar conhecido como "guru do LSD". Doutor em Psicologia, Leary lecionou e desenvolveu pesquisas sobre o cérebro e a mente humana em importantes universidades americanas, como Berkeley e Harvard. No verão de 1960, em férias no México, um amigo antropólogo lhe ofereceu alguns cogumelos alucinógenos conhecidos como psilocybin, dos quais ele já tinha ouvido falar. Tim experimentou-os esperando que eles pudessem ser a chave da transformação psicológica... e ficou pasmo com a experiência. Era como se de repente, tivesse espiado pelas cortinas e descoberto que o nosso mundo - tão manifestadamente real e concreto - era na verdade uma construção mental.

Segundo ele, cinco horas sob o efeito dos cogumelos foram mais reveladoras do que os seus quinze anos de pesquisa, assim, conseguiu convencer o Departamento de Psicologia de Harvard a iniciar pesquisa administrando psilocybin a estudantes, que se mostraram interessados.

Após experimentar uma poderosa substância alucinógena descoberta nos anos 40 pelo cientista suíço Dr. Albert Hoffman, chamada simplesmente LSD, Tim teve a certeza de ter encontrado o caminho. Ele e o professor Richard Alpert (que mais tarde mudaria o nome para Baba Ram Dass, tornando-se um respeitado professor de disciplinas orientais), deram seqüência às pesquisas. Porém, muitos dos outros professores ficaram intranquilos vendo drogas serem administradas aos estudantes, exigindo que houvesse maior supervisão nos seus experimentos.

Muitos dos estudantes que não puderam entrar no programa de pesquisa, obtiveram a droga por outros meios e começaram a usá-las por conta própria. O Departamento de Narcóticos acabou envolvido e a CIA começou a ficar atenta a essas atividades. A Igreja também não era favorável a qualquer tipo de droga que abrisse a mente, pois isso levaria inevitavelmente a realidades múltiplas, conduzindo a uma visão politeísta do universo, comprometendo seriamente a idéia cristã de compromisso a um único e temido Deus, a uma única religião. Logo, Tim e Alpert foram convidados a deixar seus cargos em Harvard.

Na primavera de 1962, Leary e Alpert continuaram, com fundos próprios, a sua pesquisa com drogas psicodélicas em uma imensa mansão-fazenda em Millbrook, não muito distante de Nova Iorque. Lá recebiam amigos, conhecidos, artistas, poetas ou qualquer pessoa que quisesse participar das experiências. Em Millbrook, os interessados recebiam LSD e podiam usá-lo em qualquer lugar da casa ou da fazenda, no mato, no lago, desde que depois fornecessem um relatório com todos os detalhes.
Rapidamente, o local foi ganhando fama como reduto de orgias sexuais, depravações, etc. As meninas de uma escola próxima eram proibidas de sequer passar próximo à propriedade. O poeta beat Allen Ginsberg, assíduo frequentador da casa, ajudava Leary na divulgação do LSD, ligando para todas as figuras culturais famosas de sua agenda de telefones. Com a grande popularidade de Leary, o governo passou a ser mais rigoroso em sua política anti-droga. Richard Nixon chegou a chamá-lo de "o homem mais perigoso da América". As frequentes batidas policiais sempre acompanhadas de muita violência acabaram com a "era Millbrook". Com as mudanças culturais que aconteciam naqueles anos loucos, o governo estava ficando alarmado com o modo como a juventude começou a usar LSD. A imprensa estava cheia de histórias sensacionalistas de jovens que tiveram experiências horríveis. Políticos, policiais, instituições psiquiátricas apontavam LSD e maconha como as ameaças mais perigosas da raça humana.
O que Tim precisava agora era publicidade boa e apoio do público, o que lhe levou a ir pedir idéias ao Mestre da comunicação, Marshall McLuhan. Marshall disse que "você tem que usar as táticas mais atuais para despertar interesse no consumidor. Sorria nas fotografias e associe LSD com todas as coisas boas que o cérebro pode produzir: beleza, diversão, revelação mística, inteligência aumentada".

Tim continuou anunciando os aspectos benéficos do LSD publicamente e, como a droga ganhou popularidade com a contracultura, ele estava feliz em fornecer manuais de instrução para uso seguro. Segundo Leary, deveria-se ter respeito com a droga, seguindo alguns pontos para proteção contra badtrips ("viagens" ruins). Nessa época ele cunhou sua expressão mais célebre: Turn On, Tune In, Drop Out, ou Se ligue (ative seu sistema neural e genético), Se entregue (interaja harmoniosamente com o mundo ao redor de você), Caia fora (sugerindo um processo ativo, seletivo de separação de compromissos involuntários ou inconscientes). A imprensa interpretou isto como "apedrejar e abandonar todas as atividades construtivas"...

Em 1966, Tim muda-se para Laguna Beach, onde assiste ao Human Be-In, participa ativamente do movimento anti-guerra e canta "Give Peace a Chance" com Lennon e Yoko (os Beatles apoiavam-no publicamente). Logo depois é preso em flagrante por porte de droga e condenado a dez anos por algo que, pelas leis da época, pegaria seis meses de prisão. Tim é resgatado da cadeia pelo grupo The Weather Underground, e vai para a Suíça. Como o governo suíço lhe nega asilo, Leary foge para o Afeganistão, onde é preso no aeroporto, extraditado para a América e mandado de volta à prisão em 1972, sendo solto finalmente em 1976.

Nos anos 80, fascinado pelos computadores, Leary criou softwares de design, continuou escrevendo livros e fazendo conferências. Embora o seu tópico principal agora fosse tecnologia, ele ainda era reconhecido como o guru do LSD dos anos 60.

Nos meses que antecederam sua morte (por conseqüência de um câncer de próstata), escreveu um livro chamado Design for Dying ("Projeto para morrer"), uma tentativa de mostrar às pessoas uma nova perpectiva da morte e do morrer. Suas últimas palavras foram "Why not?" ("Porque não?").

Timothy Leary faleceu em 31 de maio de 1996, aos 75 anos, em sua própria cama, cercado de amigos. Logo em seguida, de acordo com o seu desejo, sua cabeça foi retirada do corpo e congelada. Seu corpo foi cremado e em outubro de 1996, suas cinzas foram transportadas pela espaçonave Pegasus e liberadas no espaço com auxílio de um satélite, junto com as de Gene Roddenberry, criador de Jornada nas Estrelas, e de outros cientistas e pioneiros em estudos aero-espaciais, tais como o físico da High Frontier Space Station, Gerard O’Neill, e Todd Hauley, professor da International Space University.


ENTREVISTA COM TIMOTHY LEARY
Por Cláudio Júlio Tognolli
Esta entrevista foi publicada na revista INTERVIEW de fevereiro de 1996. Portanto, cerca de três meses antes da morte de Leary, em 31 de maio.

Cláudio Júlio Tognolli entrevista Timothy Leary, uma das figuras mais controvertidas do século XX.


A VIAGEM


O psicólogo Timothy Leary construiu seu nome destruindo o autoritarismo. Hoje, aos 75 anos de idade, três cânceres o destroem — e bem no auge da geração que ele ajudou a construir. O “Pai da Contracultura”, o homem que orientou os Beatles em suas viagens lisérgicas, pede desculpas, enfim. Tem agora seus limites e já não pode responder às minhas perguntas em missivas longuíssimas, sempre enviadas por fax, sempre encerradas com sua chancela lustrosa. “Desculpe-me…, não posso me estender muito”, diz Leary pelo telefone, falando de sua casa na Sunset Boulevard, em Beverly Hills, na Califórnia. A cada dois minutos de conversa Leary se impõe um recesso. Se avança, acessos de tosse tiram-lhe o fôlego e ele fica emudecido.

“Não, eu não vou me matar. Estou com três cânceres terminais, tenho o inimigo em mim mesmo. Disse que gostaria de morrer de uma maneira doce, podendo escolher com quem, onde e como morrer, mas isso não significa que eu vou me matar”, explica-me Timothy Leary. Na primeira quinzena de novembro passado a rede norte-americana CNN havia colocado Leary ao vivo, para todo o mundo, defendendo o direito ao suicídio, o que parecia ser a última viagem do papa do LSD. Ele desmente, deixando, no entanto, fumaça no ar: “Uma coisa eu tenho a dizer: vou morrer logo, muito logo, e essa experiência da morte é algo inacreditável. O último mês de vida é o período mais didático de toda a sua existência”, exulta Leary.

“Junto comigo assisto também à morte dos Estados Unidos. Bill Clinton é um imperador de um império em decadência, os Estados Unidos estão na mesma situação que a URSS estava no início da década de 90.” Leary acredita que, com a morte anunciada de tantos ícones, como ele, uma ferramenta funcione como instrumento coquete para libertar as novas gerações do século 21. “A Internet vai libertar-nos de padres, políticos e outras pragas semelhantes. Espero poder mandar mensagens para você depois que eu morrer.”

Aqui vão talvez umas de suas últimas linhas. Fazem parte de correspondência que troquei com Leary nos últimos cinco anos, desde que ele passou a me dar conselhos sobre uma tese de mestrado, que desenvolvi na ECA-USP, sobre psicanálise e chavões de linguagem. A última vez que nos falamos pessoalmente foi em Key Largo, na Flórida, quando preparava sua vinda ao Brasil, em fevereiro de 1992.

CJT: O senhor poderia fazer um apanhado dos anos 80 e 90?

TL: Eu passei dez longos anos lutando com computadores primitivos cujas telas eram, nos anos 80, cobertas de caracteres alfanuméricos. Eu realmente sofri muito nos anos 80, mas, como toda pessoa sensível, estava tentando desenvolver um software desenhado para potencializar a inteligência, ampliar a criatividade e aumentar a comunicação entre os indivíduos. Aí as coisas começaram a mudar nos anos 90! Agora estamos convertendo os processadores multimídia em fones de olhos. Esses programas de telepresença, de realidade virtual, fortalecem os indivíduos para que criem seus próprios quartos eletrônicos. Nossas casas viram cyber espaços muito confortáveis. Os modens dos telefones proporcionam visitas pessoais. Minha meta, nossa meta, é que nos primeiros cinco anos do ano 2000 cada cidadela do Terceiro Mundo tenha um aparelho de televisão e uma linha telefônica, para que seus habitantes enviem seus olhos e orelhas para visitarem jovens estudantes de todo o mundo. Poder para os pupilos!

CJT: O senhor acha que o marxismo vai reaparecer?

TL: Ah!, ah!… Por marxismo eu entendo que você esteja se referindo a Groucho, Harpo e Chico. Você está falando do Camarada Mao e de seu primo Karl? Eles, eu digo sempre isto, são figuras do distante século 19. Foram antigos heróis das Guerras Púnicas entre o Monopólio Capitalista e o Monopólio Socialista. Meu caro, a luta agora no século 21 é sobre quem controla suas telas, OK? De um lado nós temos os monopólios de transmissoras, de grandes meios de comunicação de massas. No outro lado, temos empreendimentos livres. Temos, em vez de Broadcasting, os Broad Catchings, informação livre e barata fluindo. Quem controla as retinas de seus olhos?
As TVs massificadas? Meu mote é “Poder para os pupilos”!

CJT: Como o senhor prevê o futuro da cultura e da contracultura?

TL: Eu celebro a globalização da arte e da cultura, o mundo eclético da música híbrida. A mistura do reggae, hip hop, salsa, soul, Chicago Industrial, Tokyo House, funk, jazz e rock and roll. Os novos indivíduos estarão zapeando seus sinais uns para os outros e usando aparelhos multimídia, da mesma forma que usam hoje seus fones de vozes. Você me pergunta também, é claro, das culturas das drogas. Há duas delas muito diferentes, por favor não as confunda. Há o período da cultura das drogas leves, entre 1955 e 1980, que era pacífico, humanista, pagão, amável, não materialista, tolerante, antimilitarista, desorganizado, anárquico. Mas nos anos 80 surgiu o Cartel Hard Drugs, a facção Reagan-Bush no Pentágono, que tomou conta dos Estados Unidos. Súbita e agressivamente surgiram a cocaína, o crack, os esteróides. E retornou à popularidade o uso pesado de álcool e armas pesadas.

CJT: O senhor acredita em Psicanálise?

TL: Você se refere a deitar passivamente, docilmente em um divã e ouvir um doutor sem o mínimo de humor confundir sua cuca? Não, não, muito obrigado. Eu tentei isso duas vezes e pratiquei por um tempo. Chutei longe esse hábito. Eu me juntei aos Psicanalisados Anônimos. A Psicanálise é uma lição de jardim da infância. Tente-a, mas permaneça irreverente. As pessoas que pensam por si mesmas são felizes. Por quê? Porque elas não têm que culpar ninguém, exceto elas mesmas. E eu posso mudar a mim mesmo.

CJT: Quem será a Nova Geração?

TL: Eu os chamo de New Breed. Eles combinam o melhor das contraculturas americana, japonesa e européia. São animados, autoconfiantes, individualistas, zen-oportunistas, habilidosamente psicodélicos e super high tech. São tolerantes, não sexistas e globalizantes. Começam em 1992 e vão até 2010.

CJT: Como essa geração vai trabalhar sua liberdade de consciência, da mesma forma que o senhor propunha aos Beatles?

TL: Mudando seus memes, sem a ajuda do Prozac. Memes são idéias conceituais, paradigmas básicos, palavras-chaves, que determinam a evolução biológica. Eles se reproduzem e se espalham de pessoa para pessoa. São expressados num símbolo, palavra ou ícone. São como marcas, selos, para os arquivos de seu computador biológico, seu cérebro. Uma forma de se mudar a cultura e modificar os memes é introduzir novos memes no cérebro das pessoas. Isso é feito através do estímulo multissensorial da atividade psicomotora. Os católicos o fazem usando sons, perfumes, luzes e reflexos que imprimem a realidade católica no cérebro das pessoas. As organizações cada vez mais vão usar os memes para controlar o cérebro das pessoas.

CJT: O que Timothy Leary sugere?

TL: Descubram quais são e aprendam a mudar os seus memes!


Timothy Leary foi abandonando paulatinamente sua postura de guru das viagens lisérgicas, embora tenha me dito, há dois anos, que ainda tomava LSD todas as semanas, como base de experimentos de ponta, que ele chama de “cutting edge”. Leary atravessou os últimos anos dando orientações para PhDs de universidades londrinas e americanas sobre como estudar história fazendo uso das smart drugs. Com capacete e luvas de velcro e drogas inteligentes na cabeça, você entra na tela do computador e presencia, por exemplo, como era viver nas ruas de Paris na época da Revolução Francesa. Esse é último Leary:

“Você anda preocupado, e muito, sobre o risco da inteligência artificial se tornar mais esperta do que a mente humana, e isso não é possível. Nós estamos desenvolvendo programas que possam converter uma tela de computador num aparelho de telecomunicações. Uma espécie de fone do cérebro, das idéias. A comunicação da televirtualidade é a nova chave. Esse é um novo incentivo para os indivíduos criarem suas próprias realidades na tela, criarem seus próprios memes. Essa é a estrada da libertação psíquica das idéias prontas, das grandes corporações”.
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Mais sobre Thimothy Leary
• TimothyLeary.us
• A Experiência Psicodélica - Um manual baseado no Livro Tibetano dos Mortos, por Timothy Leary
• Flashbacks: A auto-biografia de Timothy Leary
• "Comunicação programada durante experiências com DMT" - Artigo de Leary publicado em 1966 na Psychedelic Review
URL:: http://deoxy.org/leary

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sábado, 24 de janeiro de 2009

4 - TERREIRA DA TRIBO DE ATUADORE ÓI NÓIS AQUI TRAVEIS - Série Trupes Anarquistas


Ação vertida à Escola da Terreira da Tribo.
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Ação vertida ao Teatro de Vivência
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Ação vertida ao Teatro de Rua
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A FORMAÇÃO DO ATUADOR NA TERREIRA DA TRIBO.


Geralmente, quando se pergunta o que é o atuador, respondemos que é a fusão do ator com o ativista político. O atuador deve ser lúcido e ambicionar mudar a sociedade, percebendo como primeira e urgente a transformação de si mesmo. É o artista que sai do espaço restrito do palco, e entra em contato com a comunidade da qual faz parte. Se envolve e compartilha de forma coletiva todas as etapas da criação e produção do espetáculo. A ênfase é dada no processo continuo de investigação, numa rotina árdua de trabalho, na busca de fazer da cena um ato de entrega total, de teatralização total, de dispêndio absoluto. A subversão da ação e da palavra se dá num processo em que é o corpo inteiro que propõe livremente por impulsos vibrações, tensões, ritmos variados, permitindo a emergência de uma verdade que não se pode mais mascarar. Há o rompimento radical do raciocínio lógico, produzindo a dissonância, ou seja, a presença da contradição que ativa e expande a sensibilidade. Assim, o teatro não é mais a simulação realista ou estilizada de uma ação, mas um ato de absoluta sinceridade, no qual o mais importante é a relação entre os seres humanos, e, para o atuador, uma grande, uma única oportunidade de entrega total.

A Tribo de Atuadores Oi Nóis Aqui Traveis surgiu em 1978, com uma proposta centrada no contato direto entre atores e espectadores, transcendendo a clássica divisão palco/platéia. O grupo desenvolve um trabalho contínuo de pesquisa em relação à linguagem cênica e ao processo criativo do ator.

A história da Tribo sempre se pautou pela afirmação da diferença, da independência em relação ao mercado e às estruturas de poder, com encenações caracterizadas pela ousadia e liberdade criativa. As suas três principais vertentes são: O Teatro de Rua, nascido das manifestações políticas – de linguagem popular e intervenção direta no cotidiano da cidade- O Teatro de Vivência, no sentido de experiência partilhada, em que o espectador torna-se participante da cena – e o trabalho Artístico Pedagógico, desenvolvido na sua sede e em outros bairros populares junto à comunidade local.

O grupo foi um dos primeiros em Porto Alegre a tentar conjugar em sua prática arte, vida, estética e política, a radicalidade de comportamentos e linguagem transbordando do espaço cênico para o cotidiano da cidade. Propunha quebrar os padrões tradicionais de representação até então vigentes, trabalhando uma outra qualidade de relação com o espectador, numa relação direta na qual os limites entre palco e platéia são dissolvidos, uma atuação não naturalista e autêntica como forma de “rebelião”. Vários são os procedimentos que caracterizam a ação transgressora do grupo: a cena como presença, atuação, corporalidade, visceralidade, improvisação como processo, criação coletiva, intertextualidade, materialidade dos sentidos, desde os trabalhos mais performáticos do final dos anos 70 até sua última montagem.

Para o Oi Nóis, o teatro é um lugar de invenção e experimentação, um meio de transformação, de mudança de mentalidades, em nível social e também individual. Seu trabalho de investigação sobre a linguagem procura uma lógica diversa da cultura dominante, que provoque um estranhamento em relação à percepção usual de mundo e que seja expressão das contradições da sociedade na qual está inserido.

Todo o projeto desenvolvido pelo Ói Nói Aqui Traveis está diretamente relacionado com o seu centro de criação, a Terreira da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveis, que ocupa lugar de destaque entre os espaços culturais do Estado, sendo igualmente apontada como uma referência de âmbito nacional. Na Terreira da Tribo funciona a Escola de Teatro Popular que oferece para a cidade oficinas de iniciação teatral, pesquisa de linguagem, formação e treinamento de atores além de seminários e ciclos de discussão sobre as artes cênicas, consolidando a idéia de uma aprendizagem solidária.

A Oficina para Formação de Atores formou quatro turmas de novos atores nos períodos de 2000/01, 2002/03 3 2005/6. É importantíssimo dizer que se trata de ma Escola de Teatro gratuita, o que representa uma das poucas oportunidades de formação em teatro para muitos de seus freqüentadores. Dentre eles, aliás, muitos tiveram seu primeiro contato com teatro em oficinas ministradas em bairros de periferia por integrantes do grupo, e antes disso nunca haviam vislumbrado a possibilidade de fazer teatro. Além disso, acreditamos que o que torna esta Escola tão especial é a formação que proporciona a seus alunos, não apenas rigorosa do ponto de vista da "técnica", mas, principalmente, no tocante à construção de uma ética que se refere não apenas ao exercício da profissão de ator, mas ao seu papel social, que requer um comprometimento com a realidade que o cerca.

As principais oficinas da Escola de Teatro Popular são: a oficina para formação de atores, composta por aulas diárias, teóricas e práticas, com duração de um ano, que busca através da construção do conhecimento favorecer a emergência do artista competente não apenas no desempenho de seu ofício, mas também preocupado com seu desenvolvimento como cidadão; a oficina de teatro de rua, que desenvolve e pesquisa as diversas formas de se abordar o espaço público a fim de viabilizar a sua transformação em espaço de troca e informação; e a oficina de teatro livre, oficina de iniciação teatral que se desenvolve durante todo o ano sem interrupções, visando estimular o interesse pelo teatro e à busca da descolonização corporal do artista/cidadão.

Este compromisso ideológico assumido pelos atuadores do grupo está diretamente relacionado à postura pedagógica adotada, orientada por um preceito igualitário que visa ao confrontamento das hierarquias preestabelecidas, o que aparece também nos espetáculos do grupo. Os oficinandos são constantemente incentivados a construir coletivamente cenas e personagens, o que aponta para uma concepção que difere da adotada pelo senso comum em relação à arte, que se concentra na crença na figura de um "gênio individual" indissociado de seu contexto histórico e social de formação. Ao contrário, através da troca permanente de idéias e do trabalho realizado em conjunto, processos que poderiam ser individuais, como os de construção de personagens, transformam-se numa vivência coletiva de experiências partilhadas e construção conjunta de sentidos.

Nas rodas de discussões que acontecem no final das aulas são freqüentes as trocas de idéias sobre a importância da ética no exercício do trabalho do ator e sobre sua função social, o que conduz a uma busca constante pela construção de um teatro crítico. O repúdio ao teatro como mero veículo de distração é uma das marcas do grupo, que encontra em Antonin Artaud a inspiração para esta e outras reflexões. Tal preceito conduz a escolhas que o afastam do chamado "teatro de mercado", mesmo que, para isso, muitos de seus integrantes tenham que buscar seus meios de subsistência fora do exercício do trabalho do ator. Diferente do discurso que fundamenta o chamado "teatro profissional", para o qual o reconhecimento do trabalho do ator está atrelado a poder viver remuneradamente de seu ofício(elevado, desta forma, à categoria de profissional), para os integrantes do grupo, o compromisso ideológico assumido de não envolvimento com o chamado "teatro de mercado" demonstra uma ênfase na visão do trabalho do ator em primeiro lugar como ofício. E este ofício deve ser guiado primeiramente pela crença na função transformadora do teatro. O exercício de atuação deve ser visto como um exercício de generosidade, de entrega máxima ao outro. O "outro" aparece, assim, como motivação primeira para a existência do ator, o que vai na direção oposta da visão do ator autocentrado.

Os fundamentos principais da Escola de Teatro Popular são a formação do ator, a interferência do artista no meio social e a ética no desenvolvimento profissional. A formação do ator é desenvolvida nas áreas de Interpretação, Improvisação, Expressão Corporal, Expressão Vocal, Teoria e História do Teatro Ocidental, História do Teatro Brasileiro e História do Pensamento Político.

A formação do ator no Ói Nóis Aqui Traveis tem sido conseqüência do aprendizado grupal, trabalha-se com a encenação coletiva, na qual cada um dos atores é um dos criadores do espetáculo. Todo ator que participa do espetáculo é também seu criador, seu encenador e seu principal agente como ator. Isso lhe garante uma propriedade muito grande sobre o que diz, e as propostas estéticas defendidas no espetáculo.

A busca desse ator renovado deve ser alcançada em função de um teatro comprometido eticamente com o público. A pesquisa temática é tão profunda quanto a estética. A Tribo de Atuadores Ói Nói Aqui Traveis acredita que o teatro precisa ser um momento de encontro de pessoas, um momento de muita intensidade na vida de cada um, do qual se saia potencializado. E, para isso, é necessário atuar como se fosse a última vez que se tivesse algo a comunicar aos demais.



Texto elaborado coletivamente pela Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveis